Reflexões Bíblicas

A Boa Nova do Caminho (Chico Machado)

Décimo Quarto Domingo do Tempo Comum. O primeiro final de semana deste mês atípico para as famílias, que tem dentro de suas casas os filhos que não vão para a escolas/creches. Para os que se apegam mais aos números, este é o 187º dia do ano, sendo que faltam 178 outros mais, para concluirmos este ciclo do calendário de nosso tempo cronológico. Um domingo bem mais frio aqui pelas bandas do Araguaia. Uma manhã gelada, como me disse uma senhorinha, em conversas de vizinhos pelo muro que nos separam. Nestes dias, as poucas roupas de frio que temos, são retiradas dos guarda-roupas, já que a maior parte do tempo por aqui, é de temperaturas bem mais altas.

A minha oração desta manhã aconteceu em sintonia com alguns dos habitantes daqui da nossa região Amazônica. Curiosamente, nesta manhã o meu quintal foi invadido por um bando de araras azuis. Nesta época do ano, elas se juntam, na companhia de seus filhotes, ensaiando os primeiros voos destes, numa algazarra de falas, certamente compreensíveis para elas. As árvores se colorem com as tonalidades das plumagens destas enormes aves. É como se fosse uma escala delas, já que estão a caminho da Ilha do Bananal, do outro lado do rio, onde passam o dia. No final deste mesmo dia, acontece o processo inverso. Interessante observar esta dinâmica, já que boa parte das pessoas daqui, não se veem atraídas por este movimento, acostumadas que estão com esta rotina nesta época do ano. Como sou um eterno apaixonado pela Mãe Natureza, vivo a me deliciar com estes detalhes performáticos.

6 de julho é uma data especial para a literatura brasileira. Nesta data, há 178 anos, acontecia na cidade de Salvador, Bahia, a páscoa de um dos nossos maiores escritores: Antônio de Frederico de Castro Alves (1871-1847). Castro Alves foi um importante poeta brasileiro do século XIX, conhecido como “o poeta dos escravos”, devido ao seu engajamento na luta pela abolição da escravidão. Este baiano é considerado o principal representante da terceira geração do Romantismo no Brasil. Ele é o autor do livro “O Navio Negreiro” (1880), um dos mais conhecidos poemas da literatura brasileira, que descreve as terríveis imagens e expressões da situação escravagista dos africanos, arrancados à força de seu torrão natal. Como sempre tive facilidade para decorar, fui escolhido pela minha professora do primário (Dona Joelha), para recitar uma parte deste poema, sendo a minha primeira apresentação para os demais colegas.

Já liturgicamente, como estamos no Ano C, voltamos à leitura semi-continuada do Evangelho de Lucas, como é próprio deste período litúrgico. No texto de hoje, este evangelista narra para nós o episodio do envio dos 72 discípulos, feito por Jesus. Porque não mais os 12 discípulos? Jesus enviou 72 discípulos, e esse número tem um significado simbólico. Representa a totalidade dos povos, ou seja, a universalidade da missão de anunciar o Reino de Deus a todas as nações. Biblicamente, o número 72 é múltiplo de 12, que representa as tribos de Israel, e também é associado às 72 nações conhecidas na época de Jesus. Ao enviar 72 discípulos, Jesus está indicando que sua mensagem não era exclusiva para os judeus, mas para toda a humanidade. É importante salientar que a simbologia do Número 72 é encontrada no capitulo 10 do Livro do Gênesis, onde ali estão listadas as nações descendentes de Noé. Isso reforça a ideia de que a missão de Jesus se estende a todos os povos.

As características fundamentais dos enviados por Jesus ficam muito evidentes neste texto de hoje de Lucas: “Não leveis bolsa, nem sacola, nem sandálias, e não cumprimenteis ninguém pelo caminho!” (Lc 10,4) Ou seja, a sobriedade e a austeridade, são as características principais dos enviados, pois a Boa Nova do Caminho é a razão maior de ser dos mensageiros de Jesus. Os discípulos foram enviados de dois em dois, seguindo uma prática comum na cultura judaica, onde duas testemunhas eram necessárias para validar um testemunho. A ênfase maior está na mensagem e não na preocupação com bens materiais, mostrando que a força do Reino de Deus reside na Palavra e no testemunho do cuidado para com o próximo.

Os discípulos são organizados por Jesus para anunciarem a Boa Notícia no caminho e começarem a realizar os atos que concretizam o Reino de Deus na história. Aqueles que não quiserem aderir à Boa Notícia ficarão fora da nova história: “quando entrardes numa cidade e não fordes bem recebidos, saindo pelas ruas, dizei: Até a poeira de vossa cidade, que se apegou aos nossos pés, sacudimos contra vós”. (Lc 10,10-11) Os discípulos precisam saber que a sua maior e verdadeira alegria é a novidade do Reino que está surgindo, e que com as suas ações, eles estão participando dela. Este texto de hoje nos ajuda a entender que todos nós, pelo nosso batismo, somos também estes enviados, para proclamar a Boa Nova do Reino. Infelizmente, uma parte de nossa Igreja não entendeu ainda esta proposta de envio de Jesus. É o que podemos ver, por exemplo, nos púlpitos das igrejas, onde alguns padres e bispos, fazem verdadeiros desfiles de seus egos vaidosos, e suas roupas extravagantes, anunciando mais a si mesmos, do que a proposta de Jesus. Isso quando não fazem as chamadas “pastorais do Instagram”, numa necessidade doentia infinda, de serem fotografados para aparecerem nas redes digitais, transformando suas vaidades em virtudes.

Luiz Cassio

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