Reflexões Bíblicas

A escravidão da lei (Chico Machado)

Sexta feira da Décima Quinta Semana do Tempo Comum. Estamos entrando no penúltimo final de semana deste mês diferenciado. Alguns recessos já encerram neste domingo, e os nossos valorosos/as trabalhadores/as, retornam às suas atividades, na luta pelo seu ganha-pão diuturno. Por aqui, a nossa temporada de praia do Araguaia, segue bombando, com os turistas aproveitando como podem. Os moradores daqui, aproveitam desta ocasião, para ganhar um dinheirinho a mais, deixando para curtir a praia, assim que os turistas vão embora. Para nós daqui, a temporada de praia acontece mesmo é de agosto em diante, até a chegada das primeiras chuvas. Esta é a dinâmica do são-felicense. Araguaia, meu Araguaia!

Antes de entrar na reflexão diária da liturgia do dia, precisamos trazer presente, a memória deste grande escritor pernambucano: Gilberto Freyre (1900-1987). Gilberto de Mello Freyre nasceu em Recife. Além de escritor dos bons, foi também ensaísta, poeta e pintor. Considerado um dos maiores sociólogos do século XX, é dele a obra prima “Casa Grande & Senzala”. Este livro é um marco nos estudos sobre a formação social e cultural do Brasil. Esta obra descreve a relação entre senhores e escravos no período colonial, destacando a miscigenação e a interação cultural como elementos cruciais na construção da identidade brasileira. Este livro se tornou muito importante porque ele mostra claramente a influência da Casa Grande (residência dos senhores de escravos) e da Senzala (local de moradia dos escravizados) na sociedade da época, revelando a complexidade das relações sociais e raciais no Brasil, ainda presente em nossa sociedade de cunho elitista.

Poucos de nós sabemos que o Brasil possui a segunda maior população negra do mundo. Neste quesito, só estamos atrás da Nigéria. Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE/2022), a população negra no Brasil, composta por pessoas pretas e pardas, representa 55,5% do total da população brasileira. Isso significa que mais da metade dos brasileiros se identifica como negra, com 45,3% se declarando pardos e 10,2% se declarando pretos. Tudo isto porque, estima-se que cerca de 4,9 milhões de africanos escravizados foram trazidos para o Brasil entre os séculos XVI e XIX. Este número representa mais de um terço de todo o tráfico negreiro transatlântico, tornando o Brasil o país que mais recebeu escravos nas Américas. É esta realidade complexa que Gilberto Freyre soube muito bem retratar nesta sua obra prima. Quem não leu, precisa ler.

Já no que diz respeito ao texto do Evangelho de Mateus, que temos a oportunidade de refletir de forma orante nesta sexta feira, vemos mais um dos embates entre Jesus e os fariseus. Mateus apresenta para nós uma das numerosas controvérsias entre Jesus e os especialistas da Lei (os escribas), por um lado, e os piedosos fariseus, por outro. Estes confrontos marcaram toda a trajetória messiânica de Jesus. Se o Mestre Galileu, fazia questão que a religião fosse delineada por práticas libertadoras, os dirigentes religiosos, por seu turno, usavam da religião como uma das formas de escravização das pessoas. Para estes, a Lei não trazia em si nada de libertação para os pobres, que viviam marginalizados, e só eram contados, quando davam a sua parcela de contribuição para o Templo, sustentando, inclusive, a vida e os caprichos daqueles religiosos.

O texto de hoje diz que Jesus, seus discípulos e a multidão, em dia de sábado, estavam atravessando um campo de trigo. Nesta travessia, os discípulos deram um jeito de apanhar algumas espigas, saciando assim a sua fome. Uma prática condenada em dia de sábado, segundo a interpretação dos fariseus que estavam ali presentes. Jesus aproveita para trazer-lhes uma situação descrita pelo profeta Samuel (1 Sam 21,1-6), em que o sacerdote Aimeleque, oferece a Davi os pães sagrados que estavam sobre a mesa no santuário, pães que só os sacerdotes tinham permissão para comer. Esta linha de raciocínio de Jesus é para mostrar que a Lei foi feita para a pessoa humana e não o contrário, uma vez que: “o Filho do Homem é senhor do sábado”. (Mt 12,8)

A Lei do sábado não é absoluta. Nenhuma lei é absoluta em si mesma. Lei que escraviza não pode ser lei que sirva para a vida humana. A Lei, para ser verdadeira, tem que trazer em si o critério da justiça, de misericórdia, de cuidado, de compaixão pela vida humana. Jesus, com a sua encarnação, sendo a presença viva de Deus no meio da humanidade, é infinitamente maior do que o Templo, e é também senhor da Lei do sábado. Por este motivo, Ele tem poder para relativizar a lei, propondo a misericórdia como atitude fundamental de Deus para com as pessoas humanas. Mais do que o cumprimento cego da Lei, Jesus prioriza a misericórdia: “Quero a misericórdia e não o sacrifício”. (Mt 12,7) O centro da nossa prática de fé é cultuar a Deus, fazendo o bem às pessoas. Toda devoção, atitude de fé que oprime as pessoas, está contra a vontade de Deus. Amar a si mesmo e ao próximo é a lei maior que nos une diretamente a Deus e ao projeto do Reino anunciado por Jesus. Amar é ser humano e, segundo Gilberto Freyre, “O humano só pode ser compreendido pelo humano”.

Luiz Cassio

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