A justiça do Reino, por Chico Machado

Francisco (Chico) Machado. Missionário e escritor.

Quarto Domingo do Tempo Comum. Os últimos três dias de janeiro nos separam do mês mais curto do ano: fevereiro. Mês de uma das festas mais populares do calendário cultural brasileiro. Enquanto fevereiro não chega, vamos aqui vivendo o verão de dias bastante chuvosos aqui pelas bandas do Araguaia. Como é comum aqui se dizer, só existem duas estações: inverno e verão. Tempo das chuvas e tempo sem elas. Já nos acostumamos com esta rotina e vamos convivendo com o Araguaia cada dia mais volumoso, imponente e majestoso. “Araguaia, meu Araguaia, de mistério e de temor”.

Choveu durante toda esta noite que passou. Um sábado para domingo em que São Pedro se encarregou de ditar o rimo da noite. Uma manhã de clima agradável deu as coordenadas deste amanhecer. Uma manhã tímida, em que os meus costumeiros visitantes de sempre, não deram o ar da graça. Rezei no silêncio monacal reinante do meu quintal. O sol também não me fez companhia, faltando ao trabalho nesta manhã. Encarreguei-me de fazer deste ambiente a “Casa do Senhor”, trazendo presente na memória uma das canções do Padre Zezinho que, numa de suas estrofes ele assim diz: “Muita gente vive sem amor e tem solidão. Mas aqui nesta casa do Senhor. Solidão não existe não. Solidão não existe não”.

https://www.youtube.com/watch?v=ajO9xqvOwAw

Mesmo sem ter ainda em mãos o meu celular, refleti sobre o texto que o Evangelho deste Quarto Domingo nos reservou (Mt 5,1-12a). Uma das passagens mais conhecidas de todo o Novo Testamento e que desperta a atenção de muitas pessoas, inclusive não cristãs. As “Bem Aventuranças”, como são conhecidas, figuram no itinerário dos projetos de vida das pessoas como uma das falas mais felizes de Jesus. Elas que funcionam como uma espécie de anúncio da felicidade, porque através delas, é proclamada a libertação das pessoas, e não o conformismo, a acomodação e a alienação. Este discurso/ensinamento de Jesus anuncia a vinda do Reino através da Palavra e ação d’Ele. Bem aventurados aqueles que se alimentam desta Palavra!

As “Bem Aventuranças” estão entre as palavras mais revolucionárias e desconcertantes, ditas por Jesus. Elas estão na introdução do chamado “Discurso do Sermão da Montanha”, que compõe os capítulos cinco ao sétimo do evangelista Mateus. As “Bem Aventuras” são uma repetição da palavra de origem grega “makárioi”, cujo significado é “benditos”, “felizes” ou “bem-aventurados”. Como bem expressou o nosso Papa Francisco, “As Bem Aventuranças são a profecia de uma nova humanidade, de uma nova maneira de viver: fazer-se pequeno e confiar-se a Deus, em vez de emergir sobre os outros”. Tais palavras ditas por Jesus são destinadas a todas as pessoas. Não somente aos discípulos que estão ao seu redor. Desta forma, devemos mudar a nossa mentalidade, as nossas atitudes e os nossos valores. Diante destas palavras, devemos nos habituar a ver o rosto de Jesus nos que choram, nos humildes de coração, nos perseguidos e marginalizados.

As “Bem Aventuranças” são o protótipo da justiça presente no mundo. A justiça do próprio Deus. A justiça do Reino. Justiça para os sem voz e sem vez. Aqueles que são “inúteis” ou incômodos para uma estrutura de sociedade baseada na meritocracia, na riqueza que explora e no poder que oprime os pequenos. Os que buscam a justiça do Reino são os “pobres em espírito”. Eles que são sufocados no seu anseio pelos valores que a sociedade injusta rejeita. Os pobres estão convencidos de que eles têm necessidade de Deus, pois somente com Deus esses valores podem vigorar, surgindo assim uma nova sociedade.

Jesus está diante de uma sociedade que precisa urgentemente de transformação. A Palestina do seu tempo era estruturada por uma conjuntura sócio-política-econômica e também religiosa em que os pobres eram invisibilizados. Tal situação havia chegado ao extremo em que a vida humana estava terrivelmente ameaçada. Os pobres não poderiam mais viver sob o jugo daquela estrutura de morte. Tanto que todos aqueles e aquelas que se colocavam contra este tipo de sociedade, entravam na rota de colisão contra as lideranças religiosas daquele contexto. Para os que seguem os caminhos de Jesus, as “Bem Aventuranças”, representam um programa de vida que identifica a existência do seguidor com a do Mestre. Não é um caminho fácil e, com certeza, virão as perseguições: “Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus”. (Mt 5,10)

Pedro Dias

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