A missão profética de Jesus e o sistema opressor (Chico Machado)

Quinta feira da 30ª Semana do Tempo Comum. O mês missionário se preparando para dar o seu adeus de nós. Um dia histórico para o movimento operário, que viu acontecer no dia de hoje, a morte de um de seus representantes na luta sindical. No dia de 30 de outubro de 1979, era assinado em São Paulo, aos 37 anos, Santo Dias da Silva (1942-1979). Operário metalúrgico e membro da Pastoral Operária, Santo foi morto pela Polícia Militar, durante uma manifestação dos trabalhadores. Ele que era um trabalhador e, por ter uma representatividade significativa, estava presente em várias frentes tais como Pastoral Operária, Comunidade Eclesial de Base, Comitê Brasileiro pela Anistia, Movimento do Custo de Vida, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Mais um dos Mártires da caminhada, que se faz presente em nossa Prelazia de São Félix do Araguaia, no nosso Santuário dos Mártires da Caminhada de Ribeirão Cascalheira.

“Santo, a luta vai continuar!” Foi pensando neste seu lema de vida que, ainda muito cedo, me fiz presente no túmulo de nosso pastor, de forma orante, já que Pedro, não somente via em Santo Dias um fiel seguidor das causas de Jesus de Nazaré, como também se encontrou com esta liderança dos metalúrgicos, nos vários eventos das CEBs, pelo Brasil afora. Tanto que Pedro fez questão de entronizar a foto de Santo no Santuário, durante a realização de uma das Romarias dos Mártires da Caminhada, que aqui, na Prelazia de São Félix, acontece a cada cinco anos, celebrando a fé e a memória dos mártires da luta por justiça. Nossa próxima romaria está marcada para julho de 2026, nos dias 18 e 19, em Ribeirão Cascalheira (MT). Será uma celebração especial, para comemorar os 50 anos do martírio do Padre João Bosco, Margarida, Santana, Padre Rodolfo e Simão Bororo.

Nosso bispo Pedro via o martírio como “a maior graça”. De tão perseguido e jurado de morte que foi, é tido como “o mártir que não conseguiram matar”. Quem o conheceu mais de perto, sabe que ele não fugia da luta, fazendo de sua vida uma defesa intransigente das causas dos pequenos. Esteve por diversas vezes na mira dos latifundiários desta região, por causa de seu testemunho profético. Eu mesmo presenciei uma cena que muito me comoveu, quando aqui cheguei em 1992, com Pedro, recebendo em sua casa, um homem do sertão, pedindo que o bispo fizesse o seu batizado. Na justificativa daquele pobre homem, ele fora contratado para assassinar o bispo, e esteve com o mesmo na mira, mas não teve coragem de executar a ação, por ver do outro lado, um homem franzino e muito magro. Deixou ali no lugar a sua arma e refugiou-se na mata por longos anos, pois se aparecesse, ele é que seria executado, como queima de arquivo, por não cumprir a sua missão.

Missão profética também de Jesus, sobre a qual estamos refletindo no dia de hoje, com o texto do evangelista Lucas. Jesus e seus discípulos, continuando a sua caminhada rumo à Jerusalém, sendo alertado pelos fariseus sobre as intenções de Herodes: “Tu deves ir embora daqui, porque Herodes quer te matar”. (Lc 13,31) Jesus sabe e está consciente de seu mandato recebido do Pai de anunciar o tempo da salvação definitiva, que Paulo soube captar em uma de suas cartas, ao dizer sobre a proposta de Deus: “Eu escutei você no tempo favorável, e no dia da salvação vim em seu auxílio. É agora o momento favorável. É agora o dia da salvação”. (2 Cor 6, 2). Por sua fidelidade ao projeto do Pai, Jesus sabe que o seu confronto com as autoridades religiosas, será inevitável, com a possibilidade iminente da morte.

“Jerusalém, Jerusalém! Tu que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados!” (Lc 13,34) No tempo de Jesus, Jerusalém era o centro do poder politico, econômico e religioso. A cidade era palco de diversas correntes religiosas e se tornou um ponto central nos eventos finais da vida de Jesus. Ela não somente matou os profetas que vieram antes, como também Jesus, já que as autoridades religiosas, em conluio com o poder romano, levaram Jesus à cruz. Jerusalém personifica o sistema que se fechou em si mesmo, e recusou a novidade trazida por Jesus. Por isso, seu destino já está traçado: em Jerusalém Jesus vai ser morto, e sua morte trará o julgamento definitivo sobre ela. Tanto que Jesus diz palavras duras sobre aquela cidade: “Jerusalém, Jerusalém, que mata os profetas e apedreja os que foram enviados a você” (Mt 23,37)

A ruina para Jerusalém foi completa e veio no ano 70 d.C. Em 30 de agosto daquele ano, cerca de 70 mil soldados romanos, sob comando de Tito, futuro imperador, ocuparam e saquearam a cidade. Esta queda foi o ponto crucial da Primeira Guerra Judaico-Romana que, desde o ano 66 vinha provocando motins e atentados contra cidadãos romanos em protesto contra o domínio de Roma e aos abusivos pagamentos de tributos. Este evento, registrado pela história, resultou no saque e na destruição do Segundo Templo e de grande parte da cidade, além de causar a morte de milhares de judeus. Jesus, o profeta da esperança de Deus, seguindo o seu caminho, anunciando o Reino, através da missão dos discípulos e de todos aqueles e aquelas que fazem a adesão pelo seu seguimento. Quem é fiel às causas do Reino sabe que, no horizonte de suas ações, vai deparar com o sistema opressor e com a possibilidade do martírio, como Santo Dias da Silva.