Na comunidade de idosos que visito, às quartas-feiras, vou me aprofundando na amizade e ouvindo histórias de vida, que me entusiasmam e fazem refletir como escrever dentro de um enredo metafórico para valorizar o que me contam. Então, o Chico Goma é o meu jornal de esporte, pois em um desses jogos que não saem do 0 X 0, ele não tem paciência e vai debruçar-se no parapeito de sua casa. Ai, eu o encontro procurando uma pelada de rua para apreciar, o que fazia como adolescente em um time juvenil do bairro, que se chamava Cachoeirinha, mas que não tinha mais o igarapé para banhar-se e pular na água e assim refrescar o corpo suado.
Contado de sua vida, de onde vieram seus pais, sobre seu primeiro emprego de carteira assinada em uma sapataria, vendendo sapatos “pranchões ou balsas”, de nº 43 em diante para o interior do Estado do Amazonas. Mas acabou sendo desenhista em um estaleiro que fabricava balsas de ferro para o transporte fluvial de cargas.
Tentei convencê-lo de voltar a desenhar e produzir telas que estampassem seus sonhos ainda presentes na sua cabeça branca. Seus olhos projetavam faíscas de tanto mirar o outro lado da rua como quem esperasse ser curado das pernas, jogando para o ar o andador e sair gritando “gol”. Era essa a situação do meu amigo que apelidei de “chiclete”, de tanto ser agarrado nos jogos na TV.
Papo vai, papo vem, construimos juntos um sonho que passaremos contando e voltando no tempo que vivera no Careiro da Varzea AM , a bem plantar legumes e trazer para o Mercado Municipal de Manaus. Foi numa viagem, carregado de couve, que sua canoa subiu no lombo de uma cobra grande, economizando braços que remavam naquele amanhecer. De repente, a cobra aumentou a velocidade e levou a canoa para o fundo do rio de onde surgiam os peixes de todas as espécies. O Chico Goma não fica com medo, mas se entrega na aventura e me diz que não sabe como respirava. Chega no mundo subaquático e encontram a Yara e o Boto, que apresentam a Curupira, o Mapinguari e a Matinha Pereira. Estes três terráqueos receberam cada um uma guelra para poder respirar e dar o seu recado.
Começa a festa no fundo do rio. E, entre uma música e outra, a dupla das águas tiram para dançar os terráqueos, cujas lendas estão sendo esquecidas. A Yara e Boto, os anfitriões das águas encantadas começam a rodopiar entre as sardinhas dançarinas e os carás-discos que tocavam flauta.
Do Curupira recebeu a aula de proteção das florestas e alguns truques para enganar os caçadores. Do Mapinguari recebeu intruções para fabricar um ungüento forte e fedido para espantar quem invade os territórios indígenas. Da Matinta Pereira ganhou de presente uma roupa de bruxa para espalhar doença entre os garimpeiros que usavam mercúrio.
Sim, lendas e mitos ensinam sobre as prioridades de sustentação da vida, valores e práticas de reverência à natureza. Divertem-se, trazem memórias alegres que o tempo e as mudanças tecnológicas querem apagar, esquecendo a poesia e a vivacidade dos povos nativos. Certamente, reeditá-los ajudam a compreensão da vida e reativam a esperança nos momentos limites da vida nos quais todos nós estamos inseridos e temos que sobreviver.
Terminado o sonho, o Chico Goma respirou profundamento e voltou a caminhar com seu andador na direção do seu posto de observação. Aí ficou mudo, lembrando de suas viagens, trazendo os legumes para a cidade.
Enfim, perguntou-me quando será o próximo jogo do campeonato amazonense. Não soube dizer, mas me falou que nossos times são pouco valorizados pelos torcedores de Manaus.
Lentamente, meu amigo Chico crê qua ainda vai ver compeonatos vibrantes com os nossos times amazonenses. Tem saudade do time de Leite do Careiro da Várzea, do Leão do Nacional, do Galo do Rio Negro e das Bençãos do S. Raimundo. Só têm saudades do Fast, do América e do Olímpico, os times de Manaus de Antigamente.
“Gostaria que, antes de morrer, eu sonhasse com as ‘peladas de rua’, onde crianças e adolescenes brincassem, fosem valorizados e se tornassem invencíveis como atletas para os times de fora do Amazonas.” (Chico Goma)
NELSON PEIXOTO, em 30 de agosto de 2025