Conhecer desconstruindo. Por Chico Machado.

Sexta feira da 33ª semana do tempo comum.

Francisco (Chico) Machado. Escritor e missionário.

Depois de vários dias, a chuva resolveu dar uma trégua. Tímida e lentamente, o sol veio acordando o dia. Um sol desbotado, como dizem os mais velhos por aqui. Meu quintal amanheceu em festa.

Uma legião de “sem terras” fez a ocupação de meu espaço, que é mais deles que meu propriamente. Cada qual falando a sua língua materna, e todos se comunicando numa assembleia ecumênica, conciliando, congregando, diferentes gêneros, perspectivas, das mais variadas espécies. A Casa Comum sendo lugar de acolhida e interligação.

Estamos às vésperas de celebrar um dia histórico muito importante e significativo. “Dia da Consciência Negra”. Oportunidade ímpar para fazer uma retrospectiva histórica sob novos olhares, novas perspectivas. Conhecer desconstruindo. Desconstruir a história oficial para contar a história como ela se deu, a partir da ótica de quem a viveu por dentro. Como a História foi escrita pelo colonizador, evidentemente que este colocou sobre ela o seu juízo de valor. Foi assim, por exemplo que aconteceu com a história da escravização no Brasil. Uma triste história que colocou o povo negro como sinônimo de escravidão e subalternidade.

Não somos um povo descendente de escravos. Somos um povo descendente de seres humanos escravizados. Esta é uma das primeiras vertentes que precisa ser desconstruída a bem da verdade. Infelizmente as nossas escolas ainda trabalham com estes conceitos, numa demonstração clara de que a cor da pele de um povo, o coloca numa situação de subalternidade e inferioridade, frente aos demais da raça branca europeia que aportou nestas terras desde remanescentes do período colonial. Na concepção do filósofo argentino Enrique Dussel (1934), houve assim um processo de “Encobrimento” e não “Descobrimento”.

O tráfico negreiro ultramarino começou em meados do século XV e vai até o século XIX, interrompido por meio da Lei Eusébio de Queirós, assinada em 1850. Durante todo este período, centenas de milhares de negros foram traficados da África para à Europa e América. Estima-se que de um quantitativo de 21 milhões de negros, que foram forçadamente a sair do Continente Africano, 1/3 deles, veio parar o Brasil. Talvez por este motivo, que o Brasil figura entre os países com a maior população negra do mundo, ficando atrás apenas da Nigéria. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE de 2010, 54% da população brasileira é constituída de negros.

O desenvolvimento do tráfico ultramarino negreiro no Brasil está intimamente ligado à instalação da monocultura da cana de açúcar, por volta da metade do século XV. Todavia, não somente o negro foi obrigatoriamente forçado a trabalhar nos engenhos e canaviais. Também os indígenas, passaram pelo mesmo processo, diminuindo consideravelmente a sua população, dado a violência, os maus tratos e também a questão biológica, uma vez que estes últimos, não possuíam defesa imunológica natural, contra a Gripe, o sarampo, a coqueluche, a tuberculose, a varíola e o sífilis, doenças típicas do homem branco, trazidas da Europa.

A Igreja Católica se fez presente juntamente na embarcação colonizador. Se antes ela estava interessada na conquista de “novas almas”, uma vez que vivia o contexto histórico da Reforma Protestante, iniciada em 1517, também ela, por meio da participação dos jesuítas, que eram contrários à escravização dos indígenas, pois os consideravam alvos potenciais para a conversão religiosa. Quantos deles não foram batizados no intuito de dar-lhes uma alma, já que na concepção da época, eles eram seres desprovidos dela. Também a Igreja se fez presente na Casa Grande, locupletando-se com as benesses dos senhores de engenho. Houvesse ela estado mais nas senzalas, talvez hoje fossemos uma sociedade diferente desta, onde ainda predomina as formas mais grotescas do racismo estrutural institucionalizado.

Também a Igreja possuía os seus escravos. Como era de praxe, também ela infringia os castigos aos negros “infratores”. Como forma de amenizar um pouco a sua consciência, se o castigo consistia em aplicar 70 chibatadas, aplicava-se apenas 40. Até bem poucos anos atrás, esta realidade estava presente nos conventos religiosos, quando os vocacionados negros, eram encaminhados para serem irmãos e nunca padres. Faziam os “serviços indignos” dos negros, como cuidar das lavanderias, da portaria, das sacristias, dentre outros.

Segundo relatos da História Oficial, a abolição da escravatura no Brasil aconteceu no dia 13 de maio de 1888, através da propalada “Lei Áurea” que, entre outras coisas, ratificava a extinção do trabalho escravo dos negros em nosso país. Todos nós sabemos que não foi bem assim, como ainda é contado nos livros de história. O Brasil foi o último pais do mundo a pôr fim “oficialmente” à escravidão do negro em nossas terras. Cinquenta anos que ela já havia acontecido no restante do mundo, o Brasil, pressionado pela Inglaterra, com a sua Revolução Industrial iniciado em 1750, resolve dar cabo ao processo escravagista naqueles moldes. O que não significou que o negro a partir de então, tenha tido uma vida melhor, já que foi obrigado a alojar-se nas favelas das periferias das cidades. Preto, pobre, favelado, sendo um alvo fácil das chacinas provocadas pelos Órgãos de Segurança do Estado, com a conivência do mesmo.

 

“Os textos dos colunistas e colaboradores não refletem, necessariamente, a opinião da UNESER.”
Pedro Dias

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