Deus se revela num corpo feminino (Chico Machado)

Terça feira da 27ª Semana do Tempo Comum. Neste dia, a liturgia da Igreja Católica nos reserva a Memória da Bem-aventurada Virgem Maria do Rosário. Uma festa que tem uma tradição bastante antiga, que remonta ao ano de 1212, quando São Domingos de Gusmão, durante sua permanência em Toulouse, segundo o que contam, viu a Virgem Maria, que lhe entregou o Rosário, como resposta a uma de suas orações, para saber como combater a heresia albigense. O costume da reza do rosário, mostra a simplicidade de Maria, contribuindo para a difusão desta prática de piedade entre o povo, reconhecida pelo Papa Francisco como “mística do povo”.

Nossa Senhora do Rosário é a Virgem Maria, venerada como Mãe de Jesus e nossa Mãe, padroeira da oração do Rosário, que medita sobre a vida de Jesus. A festa em sua honra é celebrada em 7 de outubro, ressaltando a vitória dos cristãos na Batalha de Lepanto em 1571, obtida pela oração do Rosário. Em 1572, o Papa Pio V instituiu a festa de Santa Maria da Vitória, transformada pelo seu sucessor, Gregório XIII, na festa de “Nossa Senhora do Rosário”. O Cristianismo vê no Rosário, um instrumento dado pela Virgem para contemplar Jesus e, ao meditar sobre a sua vida, amá-Lo e segui-Lo pelos caminhos da história. Como bem disse Santo Antônio Maria Claret (1807-1870): “Felizes as pessoas que rezam bem o Santo Rosário, porque Maria Santíssima lhes obterá graças na vida, graças na hora da morte e glória no Céu”.

O Evangelho proposto pela liturgia para o dia de hoje é bastante conhecido de todos nós. Trata-se do anúncio do anjo à Maria, sobre o que acontecerá na sua vida a partir da intervenção divina de Deus em sua história. Fica claro neste texto que existe o tempo de Deus e o tempo dos homens. Diante do “kronos”, o “tempo dos homens”, marcado pelas horas e os afazeres do dia a dia, vem o “kairós” que é o “momento justo, oportuno”, momento das ocasiões, capaz de dar sentido a cada instante da vida; é um tempo que submete à prova o próprio tempo, que exige ir a fundo às coisas, a fim de dar frutos em tempo oportuno; é viver, da melhor maneira possível, cada encontro e experiência, porque é o tempo do amor, da escuta e da atenção aos outros. No tempo de Deus, fazemos as nossas escolhas, aproveitando das oportunidades para crescer, criando e recriando-as, para dar o verdadeiro sentido à nossa existência. O “Kairós” é a hora de viver para amar. Maria nos conduz a este tempo e nos ensina a deixar-nos decantar pelo ritmo frenético da vida, a descobrir e experimentar as coisas de Deus!

Deus se manifesta não a partir do centro do poder, mas na periferia, no corpo de uma mulher simples e pobre. Deus escolhe um corpo feminino, para fazer sua morada definitiva entre a humanidade. Justamente no corpo de uma pessoa, que era marginalizada pela sociedade e religiosos da época. É preciso lembrar que na sociedade judaica daquele momento histórico, as mulheres tinham um papel secundário, subordinado, restrito à esfera doméstica e social, sendo consideradas inferiores aos homens e sujeitas em tudo a eles. Viviam separadas dos homens, sendo proibidas, inclusive, de interagir em público e de participar plenamente da vida religiosa. Escolhendo Maria para ser a coautora do projeto de libertação da humanidade, Deus revoluciona aquela condição, elevando o status feminino, trazendo-as para o centro de seu ministério, reconhecendo-as em igualdade e valorizando sua participação na comunidade cristã primitiva.

“Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo! Eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus”. (Lc 1, 28.31) Deus escolhe o lado dos pobres e marginalizados para dar início ao seu projeto de vida plena, com a encarnação de seu Filho na história humana (Cf. Jo 1,14). Uma mulher pobre e trabalhadora da periferia se tornando a digna representante da comunidade dos pobres, que esperam ansiosamente pela libertação. Do ventre desta mulher, nasce Jesus Messias, o Filho enviado de Deus. O nascimento do Messias no ventre de Maria, mostra que se trata de uma obra da intervenção divina de Deus. Ou seja, Jesus, Aquele que vai iniciar uma nova história, nasce dentro da história humana, graças a disponibilidade de uma mulher em colaborar com o “Kairós”, “tempo de Deus”.

“Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!” (Lc 1,38) A iniciativa é de Deus, mas o sim é de Maria. Ela poderia muito bem dizer que não estava afim, e Deus respeitaria a sua decisão. Ao contrário, cheia de coragem, mesmo sabendo de todos os riscos que estava correndo, sobretudo, diante daquela sociedade machista patriarcal da época, ela dá o seu sim de forma consciente, se entregando totalmente nas mãos de Deus. O anjo ainda reforça a predileção de Deus por aquela mulher, reanimando-a a ter coragem: “Não tenhas medo, Maria, porque encontraste graça diante de Deus”. (Lc 1,30) Deus que é partidário dos pobres, escolhendo esta classe social para mostrar aos poderosos, que a solução para a defesa da vida plena, não vem através dos grandes e poderosos, mas da periferia, dos simples e humildes, pobres de Deus. É por este motivo, como dizia o nosso bispo Pedro, “o princípio fundamental da Teologia da Libertação implica um compromisso radical com os pobres e contra as causas da pobreza”. Que Maria da Libertação, nos ajude a fazer esta mesma opção de dar o nosso sim a cada dia, pelas causas dos pequenos!