Discípulo menor que o Mestre (Chico Machado)

Sexta feira da Vigésima Terceira Semana do Tempo Comum. Setembro vem sextando, pela segunda vez. Uma sexta feira em que a população brasileira levantou de alma lavada, pelo marco histórico ocorrido no dia anterior. O dia 11 de setembro ficará marcado e lembrado em nossa historia brasileira, quando a Suprema Corte do país (STF), julgou e condenou um ex-presidente e seus asseclas, sentados no banco dos réus, pela articulação dos graves ataques, planejados contra a frágil democracia brasileira. Depois de 21 anos de um período, marcado pelos anos de chumbo, de uma sangrenta ditadura militar, não queremos mais golpes contra a democracia, pois os que vivemos neste período (1964-1985), sabemos o quanto foi difícil viver, só por pensar diferente dos militares que assaltaram o poder à época. Sem Anistia! “Ditadura, Nunca Mais!“, bradou o Cardeal de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns.

Um setembro diferente aqui para nós do Araguaia. Pela primeira vez, desde que aqui estou, depois de 33 anos, é a primeira vez que vejo um setembro tão quente. A temperatura passa dos 45 graus a luz do dia. A sensação térmica é ainda pior, parece que estamos dos 50 para lá. Isto misturado com a fumaça proveniente das queimadas irresponsáveis e criminosas, e a ausência de chuvas para amenizar um pouco esta situação. O vento forte ajuda a propagar as chamas, que seguem devorando tudo oque veem pela frente. Ainda bem que temos o Rio Araguaia, para afogar as nossas mágoas. Esquentou, corre lá e dá um mergulho! Insistente e resistente que é, a natureza faz brotar as novas folhas e flores. O cenário fica melhor, já que os ipês dão o colorido diante desta tragédia anunciada. Foi por isso que o Papa Francisco não se cansou de dizer durante o seu pontificado (13 de março de 2013 a 21 de abril de 2025): “O cuidado da Casa Comum é obrigação moral de todos!”

Cuidar da Casa Comum! Cuidar da casa que somos nós, diante da proposta do Reino trazida por Jesus de Nazaré. Ser com e como Jesus, exige uma mudança radical no nosso jeito de ser, pensar e agir, amar e servir. Para tanto, é necessário passar permanentemente por um processo de conversão profunda e, com humildade, reconhecer que sozinhos não vamos muito longe. Não estamos sós neste mundo, e nem aqui para julgar os outros, baseados nos critérios de valores devocionistas, que assumimos, com a presunção de achar que somos melhores que as demais pessoas, só porque “acreditamos” em Deus, e vivemos a nossa fé seguindo preceitos e normas dentro dos espaços sagrados dos templos, como faziam os fariseus no tempo de Jesus. Eles eram exímios nesta arte de representar a sua fé com ares de superioridade, destilando hipocrisia.

O texto proposto pela liturgia para esta sexta feira é bastante simples, objetivo e direto, através das palavras manifestas por Jesus e registradas pelo evangelista São Lucas. “Pode um cego guiar outro cego? Não cairão os dois num buraco?” (Lc 6,39) Quem não é capaz de enxergar, para além das suas convicções, dificilmente terá condições de julgar quem quer que seja, a partir de seu ponto de vista. O que Jesus quer dizer com esta afirmação é que não estamos aqui para julgar o outro, até porque, nem Ele mesmo veio com esta incumbência, ao assumir a condição de Verbo Encarnado entre nós: “Eu não vim para julgar e condenar o mundo, mas para salvar o mundo”. (Jo 12,47) Jesus que é a revelação do próprio Deus. Sedo assim, Deus também não quer condenar ninguém, mas dar a chance para que todos possam acessar o seu projeto de amor que é vida abundante para todos.

É muito importante que tenhamos esta compreensão, pois o que vemos acontecendo no meio de nós á algo bem diferente disto. Cegos guiando cegos! Não somente nas religiões, mas principalmente, dentro delas, quando lideranças religiosas (padres, bispos, pastores, influenciadores religiosos digitais), exercem a função de vigilantes da fé alheia, condenando pessoas baseados nas suas convicções retrógadas da fé. Tal situação demonstra que os fariseus fizeram mais discípulos seus, que o próprio Jesus, já que, com tais atitudes, estes se fazem continuadores da hipocrisia farisaica destas lideranças religiosas do tempo de Jesus. Neste sentido, gosto de uma das frases ditas pelo grande poeta e dramaturgo inglês William Shakespeare (1564-1616): “Os homens deviam ser o que parecem ou, pelo menos, não parecerem o que não são”.

A simplicidade e a humildade são duas características que fundamentam a fé na cainhada cristã. “O discípulo não é maior do que o mestre; todo discípulo bem formado será como o mestre”. (Lc 6,40) Sermos menores que o Mestre Galileu, deve ser a missão e compreensão de todos aqueles e aquelas que se colocam na mesma estrada com o Mestre Jesus. Fazer Jesus transparecer com a sua proposta do Reino e não nos colocarmos no lugar d’Ele, achando que somos melhores e mais importantes do que Ele. Nesta perícope do Evangelho de hoje (Lc 6,39-42), que também tem o seu paralelo em (Mt 7,1-5), devemos observar que as nossas relações numa sociedade nova, na perspectiva de Jesus, não devem ser de julgamento e condenação, mas de perdão, dom e serviço generoso e gratuito. Ademais devemos sempre saber que Deus nos julga com a mesma medida que usamos para julgar os outros. O rigor excessivo do nosso julgamento sobre o outro, mostra que desconhecemos a nossa própria fraqueza, fragilidade, limitações e a nossa condição de pecadores errantes diante de Deus. “Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai, e sereis perdoados”. (Lc 6,37)