Reflexões Bíblicas

Gratidão como dom (Chico Machado)

Quinta feira da 34ª Semana do Tempo Comum. Dia de Ação de Graças. Dia de agradecer pelo dom da vida. Viver é a arte que brota do sonho do coração de Deus. Dia de ser grato por tudo o que nos faz viver neste mundo. Esta comemoração acontece no Brasil desde 1966, com a Lei nº 5.110, instituindo que este dia seria celebrado na quarta quinta feira de novembro. Ação de graças significa agradecer. Agradecimento por tudo o que conquistamos ao longo do ano. Uma grande oportunidade para sermos gratos assim como Jesus: “Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste essas coisas aos sábios e inteligentes, e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado”. (Mt 11,25-26)

Curiosamente, estamos atravessando o 333º dia deste ano, e faltam outros 33 para chegarmos a cabo em mais uma etapa desta nossa história. Sou eternamente grato a Deus pela minha história de vida e por tudo o que já conquistei ao longo desta trajetória. Vivendo uma semana especial, pois em dias como estes, há 35 anos, estávamos em plena Semana dos preparativos finais para a minha Ordenação Presbiteral, que ocorrera no dia 3 de dezembro de 1989, em minha cidade natal, Montes Claros, MG. O clima era de festa, com o envolvimento de todos os meus irmãos de sangue e os amigos da caminhada. Não posso negar que Deus sempre foi muito generoso para comigo, dando-me mais do que sou merecedor.

Gratidão é dom! Mais do que um simples sentimento, ela é algo que brota da alma. Trata-se de um estado de espírito, em função das dádivas daqueles que reconhecem as ações recebidas na gratuidade. A gratidão ocorre sempre quando somos agraciados por algo que gratuitamente recebemos. Não é à toa que a palavra gratidão vem sempre acompanhada de outras palavras: amor, carinho, afeto, empatia, generosidade. Palavras cultivadas por um coração que traz em si a paz interior. Através deste gesto nobre do coração, as pessoas são capazes de retribuir e agradecer até mesmo pelo ar que respiram como obra do Criador. Talvez tenha sido este o sentimento que motivou o dramaturgo e poeta castelhano Miguel de Cervantes (1547-1616) a afirmar que: “A ingratidão é filha da soberba.”

Gratidão é dom do coração que só sabe amar! É do coração que partem as nossas principais decisões, as nossas atitudes. Segundo a tradição bíblica, as decisões, os sentimentos e todo o pensar, advém do coração. Ele é o centro! De acordo com esta concepção, não é da nossa cabeça que parte o processo de decisão, mas do centro que é o coração. É no coração que estão as nossas vontades, atitudes e intenções, pois é ali que está alojado a fonte de nossos pensamentos, ações e palavras. Desta forma, se não demonstro gratidão pelas “coisas” que recebo, significa que o meu coração não está apto às benevolências da vida. A gratidão vem do muito amar, e o amor tem certas coisas, como bem expressou, o Estagirita Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.): “O amor é o sentimento dos seres imperfeitos, posto que a função do amor é levar o ser humano à perfeição”.

Em clima de ação de graças, seguimos liturgicamente refletindo com a narrativa de Lucas, na perspectiva do “Discurso Escatológico” de Jesus. “Quando estas coisas começarem a acontecer, levantai-vos e erguei a cabeça, porque a vossa libertação está próxima” (Lc 21,28) Evidente que a intenção de Jesus não é provocar o temor e a insegurança em seus discípulos, mas prepará-los para quando “estas coisas” começarem a acontecer. A segurança deles não deve estar nas calamidades que porventura venham ocorrer na história humana, mas se segurarem no amparo de Deus que não abandona jamais os seus. O que conta não é a tragédia em si, mas a libertação que está próxima. Na Carta aos Filipenses, Paulo traduziu este contexto de forma muito simples: “Não fiquem preocupados com coisa alguma, mas, em tudo, sejam conhecidos diante de Deus os pedidos de vocês, pela oração e pela súplica, com ações de graças. E a paz de Deus, que excede todo entendimento, guardará o coração e a mente de vocês em Cristo Jesus”. (Filip 4,6-7)

O texto da liturgia desta quinta feira quer provocar o encorajamento naqueles que se desesperam diante das dificuldades. O cristão é alguém que deve estar sempre pronto, vigilante e consciente. Estar preparado é estar em prontidão, acreditando sempre que Deus não cria a humanidade para a destruição. O caos, a destruição e as catástrofes acontecem, em decorrência do pensamento egoísta de uma sociedade que busca incessantemente a ganância como forma de vida, produzindo e estruturando a sociedade da exploração e da opressão dos pobres e marginalizados. Para os que se deixam levar pelo desespero, serve de consolo as palavras do salmista: “Aqueles que semeiam com lágrimas, com cantos de alegria colherão. Aquele que sai chorando enquanto lança a semente, voltará com cantos de alegria, trazendo os seus feixes”. (Sl 126,5-6) Esta é a experiência do povo semita, aprende que uma situação nova de prosperidade e alegria se atinge através da tristeza e sofrimentos na luta.

Luiz Cassio

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