Reflexões Bíblicas

Memorial da partilha (Chico Machado)

Quinta feira da Décima Primeira Semana do Tempo Comum. No dia de hoje, a liturgia abre espaço no ciclo litúrgico Comum, para celebrar a Solenidade do Corpo e Sangue de Cristo. A celebração de Corpus Christi refere-se ao momento em que Jesus Cristo partilhou o pão e vinho com seus discípulos/apóstolos na Última Ceia antes de ser crucificado, conforme está descrito no final do Evangelho de Mateus: “Enquanto comiam, Jesus tomou um pão e, tendo pronunciado a bênção, o partiu, distribuiu aos discípulos, e disse: Tomem e comam, isto é o meu corpo. Em seguida, tomou um cálice, agradeceu, e deu a eles dizendo: Bebam dele todos, pois isto é o meu sangue, o sangue da aliança, que é derramado em favor de muitos, para remissão dos pecados”. (Mt 26,26-28). A cor litúrgica para esta solenidade é o branco.

A Solenidade do Corpo e Sangue de Cristo vem um dia após, em que no texto proposto pela liturgia, Jesus chama a atenção de seus discípulos com uma afirmação bastante forte: “Ficai atentos para não praticar a vossa justiça na frente dos homens só para serdes vistos por eles”. (Mt 6,1) Lembrando que o termo “justiça” aqui se refere as atitudes práticas equitativas em relação ao próximo (“esmola”), a Deus (oração), e a si mesmo (jejum). Importante salientar que Jesus não nega o valor dessas práticas. Ele mostra como elas devem ser feitas para que se tornem verdadeiras. A “esmola” tem que ser vista como um gesto de partilha solidária, como um sinal de compaixão e equidade, que busca a justiça, no lugar do egoísmo da posse. Dar “esmola” para ser elogiado é servir a si mesmo e, portanto, falsificá-la.

A fé autêntica e verdadeira nos leva ao encontro pessoal com Deus na pessoa de Jesus, no compromisso do seguimento da proposta do Reino. Trata-se de uma relação de amorosidade com Deus que se expressa na relação que estabelecemos com a pessoa do outro, que convive conosco no dia a dia. Isto precisa ficar muito claro, sobretudo diante de uma sociedade em que as pessoas se especializaram em viver enaltecendo as aparências, numa propaganda cotidiana de si mesmas. Basta dar uma passeada pelas redes digitais, para observarmos tais atitudes, em que muitas destas pessoas, querem a todo custo mostrarem seus sorrisos amarelados forçados, numa necessidade infinda de propagarem a si mesmas, para que os outros as vejam, contrariando aquilo que nos pede Jesus. Na nossa relação pessoal com Deus, nos reconhecemos como criaturas e Ele como único, jogando por terra a nossa autossuficiência.

19 de junho. Neste 170º dia do ano de nosso calendário gregoriano, somos convidados a celebrar a Ceia Pascal de Jesus com os discípulos e a multidão que os seguiam. Trata-se de um recorte bíblico teológico que comumente passou ser denominado como “a multiplicação dos pães”. Esta passagem do Evangelho que hoje estamos refletindo (Lc 9,11b-17), aparece também nos outros Evangelhos: Jo 6,1-5; Mc 6,32-44; 9,1-17 e Mt 14,13-21. Com respectivas diferenças entre eles, mas com um objetivo comum entre ambos. Recordando que nos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas), a multiplicação dos pães e peixes possui um forte aspecto sociológico, sendo uma demonstração de como deve ser o Reino de Deus entre as comunidades a partir da partilha solidária dos bens na perspectiva da justiça social.

A cena apresentada pelo evangelista São Lucas nos mostra Jesus ensinando uma grande multidão acerca do Reino de Deus. Entretanto, já no avançar das horas, os discípulos vão até Jesus e pedem que Ele dispense a multidão para que fossem aos povoados vizinhos, na procura do que comerem. Eles recebem do Mestre uma resposta direta e reta: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. (Lc 9,13) A atitude que Jesus exige de seus discípulos e seguidores é que eles não se eximam da responsabilidade de cuidar dos mais pobres, nas suas necessidades básicas: saciar a fome dos famintos. Isto se faz com gestos concretos de solidariedade e partilha: do pão, dos dons, dos bens e serviços, aos mais necessitados. Dar com equidade, não apenas aquilo que achamos que deva ser dado à outra pessoa, mas dar a ela aquilo que ela realmente necessita para estar bem. Foi o que Jesus realmente fez e nos convida a fazer o mesmo em nossas relações, visando uma sociedade igualitária, justa e fraterna.

A Solenidade de Corpus Christi faz parte do calendário litúrgico de nossas comunidades. O gesto e as palavras de Jesus não são apenas afirmação de sua presença sacramental no pão e no vinho. Manifestam também o sentido profundo de sua vida e morte, isto é: viveu e morreu como dom gratuito, como entrega de si mesmo aos outros, opondo-se a uma sociedade em que as pessoas vivem para si mesmas e para seus próprios interesses. A solenidade do Corpo e Sangue de Cristo nos leva à tomada de consciência da grandiosidade da amizade selada entre Deus e a humanidade. Celebrar a Eucaristia é celebrar o memorial da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus. É partilhar o corpo e o sangue d’Ele, comprometendo-nos em partilhar o que somos e temos, partilhando a própria vida, como fez Jesus e continua fazendo na Eucaristia: “Porque há um só pão, nós todos somos um só corpo, pois todos participamos desse único pão”. (1Cor 10,17) Não se trata apenas de um ato devocional dominical, mas um comprometimento de vida com as causas do Reino e do cuidado com os irmãos e irmãs mais necessitados de cuidados. Como diz o Papa Francisco: “A Eucaristia não é o prêmio dos santos, mas o pão dos pecadores. Com simplicidade, que Jesus nos doa o maior dos sacramentos. É um gesto humilde de dom, um gesto de partilha. No auge de sua vida, ele não distribui pão em abundância para alimentar as multidões, mas se parte na ceia pascal com os discípulos”. Celebrar a Eucaristia é nos fazermos Eucaristia, partilhando o pão com os famintos.

Luiz Cassio

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