Reflexões Bíblicas

O Reino é dos pequeninos (Chico Machado)

Terça feira da Décima Nona Semana do Tempo Comum. O mês de agosto vai se delineando, caminhando em nossa trajetória histórica, já para o fechamento da sua primeira quinzena. Curiosamente, a temperatura tem estado muito estranha por aqui. Eu diria que este é o mês de agosto mais frio que já passei, nestes meus trinta e três anos de Prelazia. Talvez um reflexo das temperaturas muito baixas, acontecendo por este “Brasilzão” afora. Os mais vividos tem achado muito estranho este agosto diferente. Bem que o teólogo Leonardo Boff, vem nos alertando: “Ou mudamos, ou não haverá futuro. O planeta Terra, que é pequeno, não suporta o projeto de crescimento ilimitado da humanidade”.

Uma terça feira em que a liturgia nos propõe refletir com o capitulo 18 do evangelista Mateus. Este capítulo é bastante especial, pois nele, há o “O Discurso sobre a Igreja”, ou “Discurso Eclesial”, em que aborda temas bastante específicos, tais como a humildade, o cuidado com os “pequeninos”, a disciplina e também a reconciliação na comunidade cristã. Como podemos observar, Mateus narra um dialogo de Jesus com os seus discípulos, em que Ele os ensina, e os instrui, sobre a importância da humildade e da fé infantil, como prerrogativa para adentrar o Reino de Deus. Tudo começa com uma pergunta feita a Jesus pelos seus discípulos: “Quem é o maior no Reino dos Céus?” (Mt 18,1) Pergunta esta equivocada, pois o raciocínio lógico dos discípulos, revela um clima de competição e disputa entre eles.

Aliás, esta não e primeira vez que surge este clima de disputas entre eles. É de todos conhecido, o desejo de uma mãe, que interpela Jesus, para que este cumprisse um de seus caprichos de mãe: “permita que meu filho se sente um à tua direita e outro à tua esquerda”, revelando assim um de seus desejos, que seus filhos ocupassem lugares de honra ao lado dele, em seu Reino. Esta passagem foi relatada tanto por Mateus, quanto por Marcos: (Mt 20,21 e Mc 10,37). A mãe de Tiago e João, sonha com poder e honrarias, suscitando discórdia e competição entre os outros discípulos. Entretanto, Jesus mostra que a única coisa importante para o discípulo é seguir o exemplo dele: servir e não ser servido. Em a nova sociedade que Jesus projeta, a autoridade não é exercício de poder, mas a qualificação para serviço que se exprime na entrega de si mesmo para o bem comum.

O próprio Jesus “esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo e tornando-se semelhante aos homens”. (Fip 2,7) Ele assume uma condição “Kenótica”, apresentando-se como simples homem, (“Kenosis”, do grego “κένωσις” – “esvaziamento”). Ou seja, trata-se de um conceito teológico que se refere ao “auto-esvaziamento” ou “auto-humilhação” de Jesus de Nazaré, assumindo a natureza humana. Esta “kenosis” também pode ser entendida como um convite à abertura e ao abandono de si mesmo para se conectar com o outro e com Deus. Jesus assim se torna o modelo da humildade. Embora tivesse a mesma condição de Deus, Ele se apresentou entre os homens como simples homem, abrindo mão de qualquer privilégio, tornando-se apenas homem que obedece a Deus e serve as pessoas. Toda a sua vida foi um serviço, perdendo a honra ao morrer na cruz, como se fosse criminoso. Por isso Deus o ressuscitou e o colocou no posto mais elevado que possa existir, como Senhor do universo e da história.

O Reino é dos pequeninos. O Reino é das crianças, O Reino é dos simples, dos humildes. O Reino é das prostitutas: “se não vos converterdes, e não vos tornardes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus. Quem se faz pequeno como esta criança, esse é o maior no Reino dos Céus”. (Mt 18,3-4) Tornar-se criança. Esvaziar-se do adulto que nos tornamos. Assumir a condição da simplicidade de uma criança. Jesus não podia ter escolhido melhor, uma criança para mostrar aos discípulos a essência do Reino. Para fazer parte da dinâmica do Reino, Ele recomenda aos discípulos que é preciso evitar a todo custo a busca de poder e prestígio. Esta busca contamina a comunidade com o fermento da competição. Esta disputa, escandaliza e afasta aqueles que não têm essas pretensões e que, por isso mesmo, são os mais aptos para construir essa nova comunidade de Jesus.

Diferente de seus discípulos, Jesus tinha uma relação de proximidade e amorosidade com as crianças. Lembrando que, para os judeus e demais povos da sociedade daquela época, as crianças eram tidas como pessoas privadas de direito e de consideração. Eram como símbolo de pequenez e de pobreza. Não sendo consideradas como modelo de virtude, elas não tinham voz e nem vez nas reuniões, assembleias. Deviam tão somente escutar e aprender. Jesus as acolhe e as referenciam como protagonistas primeiras do Reino, como Mateus mesmo em outro momento assim se refere a elas numa fala de Jesus: “Deixai vir a mim as criancinhas e não as impeçam; pois o Reino dos Céus pertence aos que são semelhantes a elas” (Mt 19,14) Para entrar no Reino, precisamos deixar que a criança adormecida em nós, saia do anonimato e seja protagonista das nossas ações. A comunidade cristã não pode ser a reprodução de uma sociedade que se baseia na riqueza, no prestígio e no poder. Nela, é maior ou mais importante àquele e aquela que se convertem, deixando todas as pretensões sociais, para pertencer a um grupo que acolhe fraternalmente Jesus na pessoa dos pequenos, fracos e pobres.

Luiz Cassio

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