Reflexões Bíblicas

Os homens desta geração (Chico Machado)

Quarta feira 24ª Semana do Tempo Comum. Atravessamos a primeira quinzena do mês da primavera e neste 260º dia deste ano, o Brasil dos que lutam pela dignidade, amanheceu de luto. Tudo porque, na noite de ontem (16), a Câmara dos Deputados, aprovou o texto-base de proposta de emenda à Constituição (PEC) que pretende blindar parlamentares de processos criminais. Uma vergonha e um verdadeiro escarneio para toda a população brasileira, numa clara demonstração de que, boa parte dos políticos que ali estão não representa e nem defendem os interesses da Nação Brasileira. Enquanto o Judiciário brasileiro tem sido elogiado pelo mundo afora, o Parlamento Brasileiro, segue na direção contrária, envergonhando todos aqueles parlamentares que por lá já passaram e servem-nos como referência de dignidade. O dia 16 de setembro de 2025, um dia para ser lembrado como uma afronta descarada a todos nós.

Este triste cenário visto ontem em Brasília fez-me lembrar de um dos clássicos da literatura brasileira: “Triste Fim de Policarpo Quaresma”. Obra do escritor carioca Lima Barreto (1881-1922), publicada pela primeira vez em 1915, em forma de livro. Um romance do Pré-Modernismo brasileiro, considerado por alguns como o principal representante desse movimento. Lembrando que o Pré-Modernismo foi um período de transição literária no Brasil (1902-1922), situado entre o Simbolismo e o Modernismo. Neste livro o autor faz uma crítica contumaz à corrupção dos políticos, ao militarismo e ao patriotismo esquizofrênico da elite brasileira. Minha professora de literatura, dos meus primeiros anos de estudo, colocou em minhas mãos este livro, que devorei em poucos dias de leitura. Fico imaginando Lima Barreto, assistindo aos horrores da Câmara dos Deputados no dia de ontem. Neste sentido, sou obrigado a concordar com o filósofo pré-socrático Demócrito: “Tudo está perdido, quando os maus servem de exemplo e os bons são motivo de piada”.

Mesmo diante de cenários adversos como estes, precisamos continuar a nossa caminhada esperançando com Jesus e Paulo Freire, que nos ensinou a ver a esperança como um ato de busca, de quem vai atrás, e não fica esperando que aconteça. A vida não para, e nem devemos perder de vez a coragem de lutar por um mundo melhor, onde a solidariedade, a partilha, a justiça e a paz, sejam as coordenadas de nossas relações. Em meio à tristeza e ao descredito, perante aos políticos que vemos triunfar no cenário nacional, encontro forças num dos escritos de Neemias: “Vão para casa, façam uma bela refeição, bebam um bom vinho e repartam com os que não têm nada, e não se entristeçam, porque a alegria do Senhor os fortalecerá na luta”. (Ne 8,10) Está certo que o contexto do autor é outro, relatando os acontecimentos entre 538 e 400 a.C., mas que nos serve como inspiração para não perdermos a esperança, de que podemos fazer algo diferente, combatendo as maldades dos homens desta geração.

Por falar em “homens desta geração”, é bem assim que Jesus está lidando com as autoridades religiosas de seu tempo, segundo o relato do Evangelho de Lucas, que a liturgia hoje nos traz. O texto inicia com Jesus fazendo uma afirmação forte, em forma de questionamento: “Com quem hei de comparar os homens desta geração? Com quem eles se parecem?” (Lc 7,31) Evidente que o contexto vivido por Jesus e seus discípulos, não era dos melhores, no que diz respeito à relação com as autoridades religiosas daquele tempo. Sim, porque as autoridades religiosas do tempo de Jesus se comportavam de maneira infantil: acusando João Batista de louco, porque era rígido, severo e radical, no seu jeito de viver e anunciar a chegada do Messias; e acusavam também Jesus de boa-vida, beberrão de vinho, indo à casa dos pecadores e sentando-se com eles a mesa para as refeiçoes.

Se de um lado tinha esta compreensão de Jesus como um fanfarrão pelas autoridades religiosas, o povo simples e pobre, os cobradores de impostos, acolhem João Batista e Jesus, reconhecendo neles a revelação da misericordiosa justiça de Deus. Diferentemente da classe religiosa, os pobres acolhem Jesus porque a sua vinda até eles traz-lhes esperança, compaixão, através do Reino de Deus que, por meio das Bem-Aventuranças, reverte a sua condição de vulnerabilidade e não os diminui como era comum acontecer naquele contexto, no tratamento das autoridades para com estes. Pelo contrário, Jesus estava mais próximo dos marginalizados, curando os doentes, saciando a sua fome e nutrindo-os com a sua palavra e ações libertadoras, o que criava um laço de amor e um senso de que Ele os via e compreendia.

Fazer opção pelo seguimento de Jesus é fazer opção pelos crucificados da história: pobres, doentes, marginalizados, excluídos, pecadores, rejeitados. “Quem está do lado dos rejeitados, vai ser também rejeitado”, afirma com sabedoria o nosso Padre Júlio Lancellotti. Não se faz seguimento de Jesus apenas pela prática devota do culto religioso, e pela participação nas celebrações litúrgicas, ignorando com indiferença e omissão, a realidade que se faz a nossa volta. Seguir a Jesus é fazer a “opção pelos pobres” que é um princípio fundante da Doutrina Social da Igreja Católica (DSI), confirmada pelas Conferencias Episcopais de Medellín (1968) e Puebla (1979), traduzindo para a nossa realidade latino-americana os ensinamentos do Concílio Vaticano II (1962-1965). Como bem descreveu o frade dominicano Marcos Sassatelli: “A Opção pelos Pobres é o único caminho para seguir Jesus de Nazaré: ‘Caminho, Verdade e Vida’ (Jo 14,6)”.

Luiz Cassio

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