Ousadia e coragem na fidelidade (Chico Machado)

Sexta feira da 31ª Semana do Tempo Comum. Novembro vem sextando pela primeira vez. Apenas mais duas semanas e encerraremos este Ano Litúrgico C, constituído de 33 semanas, embora o calendário civil tenha 52 semanas. Estamos assim encerrando a segunda parte deste Tempo Comum, que iniciou em Pentecostes, terminando antes do Advento. Assim vamos desenvolvendo a nossa caminhada de fé, com a liturgia nos propondo os textos bíblicos, para a nossa reflexão e fortalecimento da nossa fé na caminhada com Jesus. Esta caminhada inicia-se no batismo e perpassa todos os demais Sacramentos, que são os sinais eficazes da graça de Deus, instituídos por Cristo para transmitir a vida divina aos que creem.

A data de hoje nos traz também o aniversário natalício de duas personagens importantes da nossa cultura: uma na literatura e o outro na música. Estamos falando de Cecilia Meireles e Ary Barroso. A primeira, trata-se da carioca Cecília Benevides de Carvalho Meireles (1901-1964), pintora, poetisa, escritora e professora. Representou, como ninguém, o modernismo brasileiro com a sua arte de escrever. Difícil saber quem não leu aquela que é considerada sua obra prima “Romanceiro da Inconfidência”, publicada pela primeira vez em 1953, em que a poetisa narra fatos relacionados à Inconfidência Mineira e também anteriores a ela. Já Ary Evangelista Barroso (1903-1964), mineiro de Ubá, é simplesmente o renomado compositor brasileiro da música popular. Ele se notabilizou e se consagrou por seus sambas, especialmente por “Aquarela do Brasil”, considerada uma expressão máxima do “samba-exaltação”.

A história está viva em nossas memórias. Quem não volta às suas origens, olhando pelo retrovisor da história, perde parte de sua essência, e deixa de viver na integralidade com os seus ancestrais, que lhe possibilitaram visitar este mundo. Todos e cada um de nós, trazemos dentro de nós, no mais íntimo de nosso ser, retratos desta história que se foi, mas que permanece viva como memória a ser visitada, pois faz parte de nossa essência humana de Ser enquanto Ser na história, que é um valor essencial, como já nos dizia o filósofo Estagirita da Grécia Antiga Aristóteles (384 a.C.- 322 a.C), com o seu pensamento metafísico. Meu Ser enquanto Ser, me faz ser quem sou, graças a outros que contribuíram para que eu aqui chegasse, me fazendo ser a pessoa que sou. Em outras palavras, nos dizia Clarice Lispector (1920-1977): “Minha essência é inconsciente de si própria e é por isso que cegamente me obedeço”.

Já a palavra dita por Jesus a seus discípulos no dia de hoje, vem na direção de que estes precisavam agir e viver com ousadia, coragem, na fidelidade ao projeto do Reino. Não dá para fazer de conta e deixar para depois o que precisa ser feito na hora do dia. Como está escrito no nosso dito popular: “Não deixe para amanhã o que você pode fazer hoje”. A hora é agora, pois o amanhã poderá ser tarde demais. Não sabemos do dia de amanhã, mas o agora, já estamos vivendo no momento presente. Por isso, ame agora, faça agora, diga as palavras de carinho agora, seja afetuoso/a agora, porque poderá ser a última vez que você estará diante daquela pessoa que você diz amar. Assim é também a perspectiva do Reino anunciado por Jesus. Ele não é algo que devemos esperar para amanhã, pois ele se faz no aqui e agora, como Ele mesmo disse: “O Reino de Deus não vem ostensivamente. Nem se poderá dizer: Está aqui ou: está ali, porque o Reino de Deus está no meio de vocês”. (Lc 17, 20-21) Ou seja, o Reino está presente em qualquer lugar onde a ação de Jesus é continuada com ousadia, coragem e fidelidade.

“O amor de Deus se realiza em todo aquele que guarda sua palavra fielmente”. (1Jo 2,5) Fazer o seguimento de Jesus exige mais do que “boa vontade” e cumprimento de preceitos religiosos, que se fecham dentro das paredes do templo. É preciso conhecer Jesus e sua proposta a fundo. Isto só se faz possível, através de uma prática concreta, isto é, quando fazemos a vontade de Deus. Essa vontade foi revelada e concretizada em Jesus e consiste no amor incondicional que nos fazem sair do próprio egoísmo e do isolamento, para vivermos relações concretas fraternas, na busca pela vida integral de todos e todas. Somente amando as pessoas é que poderemos dizer que amamos a Deus.

Ter fé em Jesus não é o mesmo que ter a fé de Jesus. Ter a mesma fé de Jesus requer coragem, determinação e audácia, diante da proposta de Deus, que está fundamentada na vida em plenitude para todos os filhos seus. Toda vez que a vida é ameaçada pelas estruturas de morte da sociedade, é Deus mesmo que está sendo ameaçado, na pessoa de suas criaturas. Não dá para esperar para depois, pois é a vida humana que está em jogo. Neste texto de Lucas deste dia, Jesus está afirmando, com todas as letras, que o Reino de Deus já chegou e, por isso, precisamos tomar atitudes, antes que seja tarde demais. Para tanto, é preciso converter-nos, para que assim, possamos nos aproximar da mensagem de Jesus e fazer o que Ele está pedindo de nós. Como foi dito por Deus ao profeta Isaías, Ele está hoje a nos dizer: “Não tenhas medo, pois Eu estou com você. Não precisa olhar com desconfiança, pois eu Sou o seu Deus. Eu fortaleço você, o ajudo e o sustento”. (Is 41,10)