Reflexões Bíblicas

Religião e espiritualidade A identidade messiânica de Jesus (Chico Machado)

Sexta feira da 25ª Semana do Tempo Comum. Setembro sextando pela última vez. Setembro é considerado pela comunidade católica como o “Mês da Bíblia”. Esta é uma oportunidade que temos de aprofundar o nosso conhecimento e vivência acerca da Palavra de Deus. Conhecer para melhor viver a proposta bíblica, sobretudo a parte do Novo Testamento, que nos traz a experiência prática de Jesus de Nazaré, no anúncio do Reino de Deus. Quando tomamos contato com a Palavra de Deus, não o fazemos apenas com a cabeça racional pensante, mas com as entranhas do coração, para que assim não tenhamos somente o conhecimento dos textos bíblicos, mas que eles ganhem o chão das nossas vidas, em forma de vivência prática da palavra. “Peçam, e será dado; busquem, e encontrarão; batam, e a porta será aberta. Pois todo o que pede recebe; o que busca encontra; e àquele que bate, a porta será aberta”. (Mt 7,7-8)

Cada um de nós, que possui a sua fé, pode e deve fazer esta experiência mais profunda, conhecendo mais de perto, o texto em seu contexto originário. Para tanto, é necessário sair de uma fé ingênua, fechada e alienante, para assumir a maturidade desta fé, conhecendo um pouco mais, para além de um devocionismo tradicionalista, que enxerga apenas a pessoa no centro de sua fé. Entrar no contexto de época em que os textos foram escritos, nos ajudam a experenciar a fé no cotidiano, enfrentando os desafios que a vida nos propõe, como dinamismo do nosso existir neste mundo. Lembrando que um determinado texto bíblico fora de seu contexto, pode se transformar num mero pretexto para justificar a nossa posição de comodismo.

Esta visão mais aprofundada dos textos bíblicos nos faz diferenciar a religião da espiritualidade. Embora alguns não consigam fazer a distinção entre estas duas dimensões, há uma diferença importante a se fazer, para que assim, possamos fortalecer a nossa fé. As religiões estão presentes no mundo e cada uma delas faz a defesa de seus princípios. A espiritualidade é um campo específico de cada pessoa. Cada um de nós tem a sua espiritualidade. “Eu sou a minha espiritualidade”, dizia-nos nosso bispo Pedro. Sua espiritualidade profética, ligada à luta pelos direitos humanos e pela justiça social, especialmente para os mais pobres, indígenas e camponeses, o diferenciava de muitos que usam da sua espiritualidade apenas para o espaço entre as paredes do templo. A espiritualidade de nosso profeta estava ligada a uma fé para “fora”, descolonizada de visões eurocêntricas, promovendo o que ele chamava de “macro-ecumenismo”, unindo todos em busca pela paz e justiça. Assim, no seu modo de pensar e viver, a religião e espiritualidade, devem ser vivenciadas no dia a dia, de forma profética e em solidariedade aos oprimidos, inspirando a resistência e a busca por um mundo melhor

A espiritualidade de Jesus ficou evidentemente clara em suas ações desenvolvidas no seu ministério público na Galileia. Sua identidade messiânica pode ser vista nas ações de libertação que este desenvolveu no meio do povo pobre e oprimido. E é exatamente neste contexto, que Ele está fazendo um breve balanço acerca de sua identidade, desejoso de saber como as pessoas o viam naquele contexto: “Quem diz o povo que eu sou?” (Lc 9,18) Pela resposta dada pelos seus discípulos, havia ainda um desentendimento acerca de quem era mesmo aquele Jesus: “Uns dizem que és João Batista; outros, que és Elias; mas outros acham que és algum dos antigos profetas que ressuscitou”. (Lc 9,19)
Quem é esse Jesus, afinal? A resposta dada estava ainda muito presa aos esquemas religiosos comuns da época, numa clara demonstração de que não basta conhecer Jesus como Messias enviado.

A experiência de fé se faz na caminhada que vamos desenvolvendo na companhia dos irmãos e irmãs, construindo o Reino. Reconhecer Jesus como o Messias enviado de Deus é um grande feito para a nossa fé, mas isto não basta para que tenhamos uma postura coerente com o projeto de Deus. Não basta declarar e aceitar que Jesus é o Messias; é preciso rever a ideia a respeito deste Messias, o qual, para construir a nova história, enfrenta os que não querem transformações. Por isso, Ele vai sofrer, ser rejeitado e morto. Sua ressurreição será a sua vitória. E quem quiser acompanhar Jesus na sua ação messiânica e participar da sua vitória, terá que percorrer caminho semelhante: renunciar a si mesmo e às glórias do poder e da riqueza.

“O Filho do Homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e doutores da Lei, deve ser morto e ressuscitar no terceiro dia”. (Lc 9,22) A espiritualidade militante da caminhada, faz de nós partidários deste Jesus, identificado com os pobres e marginalizados. Ao fazer a opção clara e definitiva pelos mais pobres, Jesus enfrenta o poderio dos políticos e religiosos de sua época e vai ser morto no tribunal deles. Se fizermos a opção pelo seguimento d’Ele, também devemos estar dispostos a enfrentar as forças da morte de hoje, que insistem em tirar a vida dos pequenos, pobres e marginalizados. Esta opção escandaliza a muitos de nós, que continuam a viver a fé sem o compromisso social, e sem a perspectiva de justiça, para não se contraporem aos poderosos de hoje que matam mulheres e crianças inocentes com as suas maquinas de guerra. Alguns ainda se apegam mais a uma religião desprovida de espiritualidade, engrossando a fila dos fariseus dos tempos atuais.

Luiz Cassio

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