Entre o medo e o testemunho fiel, por Chico Machado.

Francisco (Chico) Machado. Missionário e escritor.

Segundo Domingo da Páscoa.
Domingo da Misericórdia. Com este domingo, fechamos o período litúrgico da Oitava da Páscoa. O clima ainda é pascal. Este Domingo da Misericórdia foi instituído pelo Papa João Paulo II, no ano 2000. Desta forma, o Segundo Domingo da Páscoa passa a ser chamado em toda a Igreja como o Domingo da Divina Misericórdia. Lembrando que a palavra misericórdia tem a sua origem latina, formada pela conjunção de “miserere”, significando “ter compaixão”, e “cordis” que quer dizer “coração”. “Ter compaixão com o coração”, significando ter a capacidade de sentir exatamente aquilo que a outra pessoa está sentindo, numa aproximação dos sentimentos próprios aos sentimentos de outrem. Ser solidário com o outro na dor. Deus, além de ser misericórdia, quer que sejamos todos misericórdia: “Misericórdia é que eu quero, e não sacrifício” (Mt 9,13).

Deus é misericórdia por que Deus é amor! A vivência concreta do amor é a mais bela experiência humana que alguém pode sentir em si. A essência do ser humano é amor. A base fundamental do humano em nós se codifica pela linguagem inconfundível do amor. Amor que perpassa todas as nossas entranhas. A mais profunda e tocante certeza que podemos ter é a do amor intrínseco de Deus por nós. O amor não faz parte de uma invenção humana. O amor é divino, vem de Deus, e Ele é o Amor. Deus é amor: “Amados, amemos uns aos outros, pois o amor procede de Deus. Aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus. Quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor” (1 Jo 4,7-8).

O dia 24 de abril é um dia especial para a comunidade “surda” do Brasil. Um grande passo foi dado no sentido de beneficiar esta comunidade significativa do Brasil. Foi exatamente nesta data, no ano de 2002 que foi regulamentada a Lei nº 10.436, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras. Esta lei passou a reconhecer a Língua Brasileira de Sinais, língua de modalidade gestual-visual utilizada pelos surdos, como língua. É através destes gestuais que esta comunidade se comunica, possibilitando assim interagirem entre si e com as demais pessoas. É como se ouvissem as suas vozes interiores se comunicando. Menos sorte teve o gênio compositor germânico Beethoven (1770-1827), que assim certa feita se expressou: “No paraíso eu vou ouvir!” Beethoven era completamente surdo.

Comunicação que não faltou entre Jesus e os seus seguidores. O Mestre Nazareno era um comunicador por excelência. Não guardou para si o dom de se revelar aos seus através da palavra dita e concretizada nos sinais do Reino. É o que a liturgia deste domingo nos apresenta. Mais uma vez, como nos demais anos anteriores deste segundo domingo da Páscoa, lemos o texto próprio da comunidade Joanina (Jo 20,19-31). Jesus se colocando mais uma vez no meio dos seus e fazendo questão de trazer-lhes o sentimento de que eles mais necessitavam: “A paz esteja convosco”. (Jo 20,19) O contexto aterrador de sua morte, gerou uma crise interna entre os seus seguidores, inibindo completamente as suas ações. O medo se apossou de todos eles, os fazendo ficar trancafiados em si mesmos.

“Sereis as minhas testemunhas, pois estais comigo desde o princípio”. (Jo 15,27) Como ser testemunha se o medo fala mais alto e falta a coragem necessária para serem anunciadores da Boa Nova da Ressurreição? Talvez por este motivo, Jesus tenha dito mais de uma vez, manifestando a sua paz à eles. O medo definitivamente impede o anúncio e o testemunho. Assim, além de se fazer presente entre eles, Jesus os liberta do medo, mostrando-lhes que o amor doado até as últimas consequências é sinal de vitória e alegria. Quem se doa plenamente, experimenta em si a gratuidade do próprio Deus em pessoa. Ser seguidor de Jesus não significa anunciar a si mesmo, mas a pessoa do Ressuscitado que traz consigo.

É necessário mais do que um simples acreditar. É preciso revestir-nos da pessoa do Ressuscitado. Nisto aparece a figura emblemática de Tomé. Ele preferiu continuar não acreditando, se não visse com seus próprios olhos. Este inusitado personagem simboliza todos aqueles e aquelas que não acreditam no testemunho da sua própria comunidade e exigem uma experiência muito particular para acreditar. Diante desta incredulidade, Jesus faz questão de revelar a Tomé, no interior da comunidade. Com esta sua atitude, Jesus quer dizer que as gerações futuras acreditarão n’Ele como ser Ressuscitado, através do testemunho da comunidade cristã. É o sangue do Ressuscitado que rega as nossas lutas de seguidores de seus passos. Entre o medo e o testemunho fiel, ficamos com o segundo. Ademais, como sempre nos dizia nosso bispo Pedro: “A igreja católica e o próprio cristianismo nasceram com o sangue dos mártires. Os três primeiros séculos da era cristã, quando a igreja estava em seu nascedouro, contam milhares de mártires. O sangue jorrado dos que morreram regou a fé dos que ficaram”.

Pedro Dias

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