Festa da Exaltação da Santa Cruz, por Fr. Marcos R.R. de Carvalho.

Festa da Exaltação da Santa Cruz

14 de setembro

Fr Marcos R. R. de Carvalho. OFMCap.

A Festa da Exaltação da Santa Cruz[1] recorda-nos e atualiza o imenso amor de Deus para conosco. Ele se encarna na pessoa de seu Filho Jesus Cristo, o qual “estava na forma de Deus, mas renunciou ao direito de ser tratado como Deus. […] tomou a forma de servo, tornando-se semelhante aos homens” (Fl 2, 6-7)[2].

A Encarnação se torna plenamente compreensível ao coração humano à luz do mistério da Cruz, pois o Senhor se fez um de nós para nos restituir a amizade com Deus, bem como resgatar a nossa dignidade e excelência no contexto da criação, pois “… o que é o homem para dele te lembrares, um filho de homem para visitá-lo? Tu o fizeste pouco menos do que um deus, e de glória e esplendor o coroaste” (Sl 8, 5-6).

Este vínculo foi rompido pela desobediência de nossos primeiros pais, mas foi reatado através do sacrifício de Cristo na cruz, onde ele nos mostrou o significado da obediência perfeita, isto é, a entrega de sua vida por amor de nós!

A cruz é o sinal mais insigne da nossa salvação! Somos todos exortados a carregar a nossa. E o evangelista Marcos assim nos recorda as palavras do Mestre: “Se alguém quiser seguir após mim, negue-se a si mesmo, carregue sua cruz e me siga” (Mc 8, 34). A ética do Evangelho supõe a assertiva adesão à loucura da cruz: “De fato, a linguagem da cruz é loucura para os que se perdem. Mas, para os que se salvam, para nós, é poder de Deus” (1Cor 1, 18).

Prosseguindo na reflexão sobre o carregar a cruz, gostaríamos de colocar em relevo um personagem, que, desde a mais antiga tradição da Igreja, tornou-se símbolo de caridade: Simão de Cirene[3], mencionado em três dos evangelhos:

  1. no de Mateus 27, 32: “Enquanto saíam, encontraram certo homem de Cirene, chamado Simão, e o obrigaram a carregar a cruz de Jesus”;
  2. no de Marcos 15, 21: “Passava por aí certo Simão de Cirene, pai de Alexandre e Rufo. Ele vinha do campo, e o obrigaram a carregar a cruz de Jesus”[4];
  3. no de Lucas 23, 26: “Enquanto levavam Jesus, pegaram um certo Simão de Cirene, que voltava do campo, e fizeram com que carregasse a cruz, atrás de Jesus”.

Se observarmos as expressões verbais: “obrigaram a carregar” e “fizeram com que carregasse”, fica-nos evidente que o Cireneu foi constrangido a levar a cruz do Senhor. E parece-nos que ele não teve alternativa diante do pedido dos soldados do governador (cf. Mt 27, 27), senão obedecer-lhes.

Esta situação coloca-nos em confronto com duas posturas cruciais: Cireneu carregou a cruz por uma imposição romana? ou ele agiu movido pelo sentimento de solidariedade para com o outro?

É difícil respondê-las, pois não há modo de perscrutar o coração do Cireneu. E qualquer julgamento moral a seu respeito seria, no mínimo, mera especulação, porque no intervalo entre o peso da obrigação e o ato de carregar talvez tenha surgido o tempo oportuno para que nascesse a livre decisão pela solidariedade. Na verdade, – e não podemos negá-lo! – aconteceu ali, a caminho do Gólgota (cf. Mc 15, 22), o encontro entre o Crucificado e o Cireneu!

À luz da Sagrada Escritura, que nos diz: “Carreguem o peso uns dos outros, e assim vocês cumprirão a lei de Cristo” (Gl 6, 2), cabe-nos, portanto, a releitura desta antiga tradição e perguntar-nos: Como podemos ser cireneus para o outro? Como ajudamos as pessoas a carregar o peso das cruzes de sua existência?

Concluindo, diríamos que existe uma única certeza: à sombra dos braços da cruz redentora – a Árvore da Vida – repousam os pobres, os primeiros destinatários do querigma[5] (cf. Lc 2, 10-14), o qual “possui um conteúdo inevitavelmente social: no próprio coração do Evangelho, aparecem a vida comunitária e o compromisso com os outros. O conteúdo do primeiro anúncio tem uma repercussão moral imediata, cujo centro é a caridade”[6] (Evangelli Gaudium, n. 177).

“Mais altaneira que os cedros,
ergue-se a Cruz triunfal:
não traz um fruto de morte,
dá vida a todo mortal.”[7]

 

BIBLIOGRAFIA:

BAZAGLIA, Paulo (Dir.). Nova bíblia pastoral. São Paulo: Paulus, 2014.

BREVIARIUM ROMANUM. Editio iuxta Typicam. Ratisbonae, [1961 ?]. (Tomus alter)

FRANCISCO. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, A Alegria do Evangelho, do Papa Francisco ao episcopado, ao clero, às pessoas consagradas e aos fiéis leigos sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual. São Paulo: Paulinas, 2013. (A Voz do Papa, n. 198)

LITURGIA DAS HORAS. São Paulo-Petrópolis: Vozes-Paulinas-Paulus- Ave-Maria, 1995. (Volume IV)

SCHÖKEL, Luís Alonso. Bíblia do peregrino: Novo Testamento. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2000.

FRANCISCO.

Fr. Marcos R. Rocha de Carvalho, OFMCap.

Piracicaba, 14 de setembro de 2022.

[1] Textos da liturgia da festa: Nm 21, 4-9, Sl 77(78), Fl 2, 6-11 e Jo 3, 13-17.
[2] Fonte das citações bíblicas: BAZAGLIA, Paulo (Dir.). Nova bíblia pastoral. São Paulo: Paulus, 2014.
[3] Cirene era uma colônia grega na costa norte-africana, onde existiam muitos judeus (cf. At 2, 10; 11, 20).
[4] “Simão e seus filhos deviam ser conhecidos em alguma comunidade primitiva. Seu nome gentílico passou a designar uma obra de caridade, porque leva o peso de outrem (cf. Lm 1,14)” (SCHÖKEL, 2000, p. 180).
[5] Em seu sentido mais amplo.
[6] FRANCISCO, 2013, p. 145-146.
[7] LITURGIA DAS HORAS, 1995, p. 1271.
[7] Em seu sentido mais amplo.
[8] FRANCISCO, 2013, p. 145-146.
[9] LITURGIA DAS HORAS, 1995, p. 1271.
Pedro Dias

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