HISTÓRIA, MOVIMENTO DOS PADRES CASADOS E POLÍTICA SINODAL. POR JOSÉ ALCIMAR DE OLIVEIRA

SOBRE OS DESAFIOS POSTOS POR EDUARDO HOORNAERT

 

  1. O XXIII Encontro dos Padres Casados do Brasil, em Salvador, BA, de 14 a 18 de janeiro de 2023, foi impactado, neste domingo, 15, pela conferência-desafio apresentada por Eduardo Hoornaert, padre casado e historiador das origens do cristianismo. Sob o título SIGNIFICADO DE MOVIMENTOS DE PADRES CASADOS PARA A POLÍTICA SINODAL DO PAPA FRANCISCO, o texto de Hoornaert (um belo texto e ainda em construção, é preciso dizer) dialetiza o devir histórico de duas torrentes em conflito nesses mais de dois mil anos de cristianismo: o movimento libertário de Jesus desde Nazaré da Galileia e o imobilismo clerical que, de Jerusalém a Roma, instalado no Vaticano, continua subtraindo ao Evangelho sua verdade libertadora.
  2. Segundo a filósofa húngara Agnes Heller (1929-2019): “a história é a substância da sociedade” e mais, para alimentar nossa esperança cristã com as sábias palavras de uma mulher marxista e confessadamente não cristã: “Nenhum só valor conquistado pela humanidade se perde de modo absoluto; tem havido, continua a haver e haverá sempre ressurreição. Chamaria a isso de invencibilidade da substância humana, a qual só pode sucumbir com a própria humanidade, com a história”. Para Cícero, “a história é a mestra da vida” (historia magistra vitae, lux veritatis…). Mas a história só ensina a quem se dispõe, com mediações honestas, a fazer o difícil caminho da verdade, para assim voltar às origens com generosidade dialética, liberdade da inteligência e espirito crítico. É o que faz Hoornaert num texto em movimento, que tensiona o presente a partir da força das origens, e nos convida a fazer o caminho samaritano da volta ao movimento de Jesus, de pensar, de acordo com o Papa Francisco, uma Igreja em Saída, Missionária, Itinerante.
  3. O que Hoornaert nos aponta com visão de totalidade, espírito dialético e generosidade samaritana, é que o beco sem saída em que se encontra a Igreja no século XXI remonta à formatação constantiniana do século IV, quando o movimento de Jesus de Nazaré se imobilizou no modelo da cristandade medieval. O século IV demarca a segunda morte de Jesus de Nazaré. Nietzsche costumava dizer que o único cristão que existiu morreu na cruz. O movimento de Jesus nos desafia a voltar à mal afamada Nazaré dos pobres e caminhar em busca do seu evangelho samaritano. O caminho de Jesus é de Nazaré a Salvador, mais do que de Jerusalém a Roma e ao Vaticano. Salvador, no Brasil, cidade de negra beleza, carrega na pele e na mente a presença desses dois modelos em conflito: a resistência libertária da de Jesus e de sua pequena Nazaré e a violência do cristianismo branco do colonizador europeu. Mas a saída passa pela confraria entre Salvador e Nazaré.
  4. A rota institucional imposta pelo modelo constantiniano, de Jerusalém a Roma e de Roma ao Vaticano, conduziu a Igreja ao regime da cristandade, clerical, machista, patriarcal, excludente. Segundo Hoornaert, “com Constantino não há jeito, como Dom Helder Camara disse de modo tão direto; querer renovar a Igreja em Roma é como querer limpar as pirâmides do Egito com uma escova de dente”. Walter Benjamin, em suas Teses sobre a história, fala da necessidade de escovar a contrapelo o movimento da história. Para sair do beco sem saída é preciso voltar à encruzilhada do século IV, abandonar a rota hierarquizante que conduziu e conduz a Igreja à bancarrota e retomar com entusiasmo, a alegria evangélica e militante de Jesus de Nazaré, que se definiu como Caminho, Verdade e Vida.
  5. O caminho da libertação que nos cabe como movimento de padres casados se iniciou em Nazaré da Galileia. Política sinodal implica caminhar juntos, em parceria. Mulheres e homens.  Não somos a Igreja dos padres casados, mas um movimento, dentre tantos outros movimentos missionários, que pode contribuir para pôr a Igreja em movimento, em espirito de saída, com a força e o cuidado da alma feminina, samaritana, com o espirito destemido de Maria Madalena, a Apóstola dos Apóstolos (Apostola Apostolorum), como bem a reconheceu o Papa Francisco. Hoornaert é preciso em reconhecer que “a grande novidade” do movimento dos padres casados consiste em “incluir seriamente a mulher na Igreja, em abandonar a clássica política da heteronomia e aderir à política, tipicamente feminina, da autonomia”.
  6. Como sustentar o discurso da Igreja que se denomina Mãe, ou falar do rosto materno de Deus (Leonardo Boff) numa instituição que insiste em atribuir às mulheres tarefas e postos secundários, num inaceitável e detestável espírito de tutela e submissão. Não haverá libertação do clericalismo, do machismo, da discriminação odiosa, das opressões que pesam sobre as mulheres, inclusive da parte de muitos padres casados, sem que como movimento evangélico e samaritano nos façamos parceiros na luta comum pelo reconhecimento dos direitos da mulher na Igreja. É um equívoco pensar que a luta consiste em incluir a mulher na hierarquia.  Seria reduplicar o poder e a opressão. Nossa luta como movimento de padres casados passa pela ruptura radical com a ideologia do clericalismo. Estaremos perdidos se nessa luta não se fizer presente  o protagonismo das mulheres.
  7. Por fim, frente aos desafios postos por Hoornaert, historiador com os pés no chão da vida e visão do tempo longo, penso que perdemos todas e todos se nossa atitude diante de seu destemido e crítico texto for a da indiferença ou da escuta protocolar. Fazer avançar a história no Movimento dos padres casados exige a coragem e a ousadia de Maria Madalena: sozinha e ainda de madrugada se levanta, vai ao túmulo de Jesus de Nazaré e passa do choro da morte à alegria de reconhecer pela fé que o Senhor havia ressuscitado. A partir daquele momento luminoso, investida do poder apostólico por Jesus de Nazaré, Maria Madalena passa a anunciar aos discípulos e ao mundo: “Vi o Senhor!”. Ela é pioneira na luta anticlericalista, e nos inspira a todas e todos, mulheres e padres casados, a fazer o movimento de volta às origens do Caminho aberto por Jesus de Nazaré.

*José Alcimar de Oliveira é padre casado, professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Amazonas, teólogo sem cátedra e filho do cruzamento dos rios Solimões, no Amazonas, e Jaguaribe, no Ceará. Em Manaus, AM, aos 16 dias de janeiro do ano da virada de 2023.

Pedro Dias

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