Uma vida/Igreja Madalena (Chico Machado)

Sábado da Décima Quinta Semana do Tempo Comum. Enfim, estou de volta “ao meu casa”, como dizem os indígenas. Depois de chacoalhar por horas, no ônibus típico e apropriado para os 190 quilômetros de estrada de terra, que ainda temos por aqui, desembarquei em São Félix ao meio dia e meia. Tentei rabiscar no trajeto, mas fui vencido pelos sacolejos, impedindo-me de concentrar e até mesmo enxergar o que estava sendo escrito na tela do celular. Contentei-me em rezar, agradecido a Deus pelo dom da vida, por estar no meio dos povos indígenas do Araguaia, e pelos dias que passei com os amigos dos bons tempos de outrora. Em relação aos amigos, gosto da definição do filósofo Aristóteles sobre eles: “O que é um amigo? Uma única alma habitando dois corpos”. Trago várias almas deles e delas dentro de mim.

Um sábado todo especial para nossa caminhada eclesial. Celebramos neste dia a Festa de Santa Maria Madalena. Como diria Santo Tomás de Aquino: “A Apóstola dos Apóstolos”. Uma mulher simples, de um pequeno lugarejo, mas que veio ocupar o lugar central na caminhada dos primeiros seguidores de Jesus. Madalena que é identificada com a origem de “Magdala”, uma vila de pescadores localizada a sete quilômetros de Cafarnaum, às margens do Mar de Galileia que, inclusive, serviu de base para Jesus no desenvolvimento de sua vida adulta e de seu Projeto Messiânico.

Contemporânea de Jesus de Nazaré, Maria Madalena foi perdoada publicamente de seus muitos pecados por Jesus, e salva de ser apedrejada publicamente até a morte por seus concidadãos. Ela é a figura mais misteriosa do Novo Testamento. Em três dos Evangelhos, ela é mencionada na crucificação e no sepultamento de Jesus. Nos quatro Evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas e João), ela é a testemunha do túmulo vazio de Jesus, símbolo da sua Ressurreição. Em dois deles, ela foi a primeira (privilegiada) a ver Jesus ressuscitado. Assim, uma mulher rejeitada, humilhada e pecadora, torna-se a primeira pessoa a testemunhar a Ressurreição de Jesus de Nazaré. Maria Madalena, a testemunha fiel, discípula da palavra de Deus que, após conviver com Jesus, dedicou a sua vida em realizar as mesmas ações de Jesus, dando continuidade à sua missão. Segundo alguns exegetas, após a Ressurreição de Jesus, Maria Madalena, assim como o apóstolo João e Maria, sua Mãe e nossa, foi morar em Éfeso, dando continuidade à missão de Jesus.

No ano de 2016, a Igreja Católica consagrou Maria Madalena como evangelista. No pontificado do Papa Francisco, ele transformou a data de Maria Madalena, 22 de julho, à categoria de Festa Litúrgica. Francisco ainda retomou o título de “Apóstola dos Apóstolos”, conferindo a ela a fiel seguidora do Mestre, como uma discípula sua. Pela sua importância no Projeto Libertador de Jesus, ela é alçada ao centro da missão deste, como protagonista e arquétipo do discipulado, para desespero dos judaizantes, que sustentavam uma sociedade em que a mulher era tida como inferior e subalterna aos homens. Santa Maria Madalena é considerada a padroeira dos pecadores arrependidos, das mulheres e das prostitutas.

Em tempos de Igreja Sinodal e em saída, buscamos uma Igreja Madalena. Uma Igreja Samaritana. Uma Igreja mulher, com todo o seu jeito próprio de ser. Uma Igreja feminina e feminista. Menos machista e clerical; mais servidora de todos e de todas. Uma Igreja com o “rosto mulher”, com participação, vez, voz e voto nos principais canais de decisão de nossa eclesialidade. Precisamos trazer dentro de nós um coração “Madalena”, rompendo com todas as formas de opressão, preconceito e discriminação, sobretudo contra a mulher. São elas que estão à frente dos trabalhos de nossa Igreja, seja na catequese, na animação, nos ministérios, mas ainda de forma muito tímida no que diz respeito à sua participação efetiva no centro das decisões.

Precisamos de uma Igreja que seja toda ela Madalena, Samaritana, onde as “Marias” que carregam o peso suado da cruz, ainda estão à margem. Desde os primórdios do cristianismo, com a sua presença corajosa aos pés da cruz, seja nas aparições de Jesus, são elas que dão o principal testemunho, fazendo o enfrentamento daqueles que mataram Jesus e continuam matando os carismas de tantas outras Madalenas que carregam as nossas comunidades nas costas. Como Maria de Nazaré, Maria Madalena é outra mulher da caminhada com Jesus. Mulheres guerreiras que enfrentaram todas as forças do mal e continuam fazendo a história da Igreja acontecer nas periferias do mundo. Somos Maria, somos Madalena, quando fazemos aquilo que nosso bispo Pedro disse sobre a nossa Mãe: “Maria de Nazaré não se fecha em ser uma virgem de pele clara, velada, vestida de azul, com os olhos baixos em submissão, mas se torna qualquer pessoa receptiva a ouvir a palavra de libertação de Deus”.

Luiz Cassio

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