Vigésimo Quinto Domingo do Tempo Comum. Estamos iniciando a primavera. O dia de hoje é o 24º do mês de setembro, mas liturgicamente, estamos já no 25º. O Tempo Comum é o tempo litúrgico mais longo, composto por 34 semanas, dividido em duas partes. A primeira inicia após a Festa do Batismo do Senhor e vai até a terça-feira de Carnaval. A segunda parte inicia após a festa de Pentecostes. Embora seja denominado “Comum”, não é tão comum assim, uma vez que tomamos contato com a Palavra de Deus, dentro de um percurso litúrgico, sobre Jesus em sua vida pública, que nos faz refletir e nos posicionar diante dos desafios da vida.

A primavera está no ar e nos faz florir de esperança, colorindo de verde os nossos sentimentos. Inevitavelmente, vem-nos a lembrança da infância e a nossa inocência feliz, diante do jardim florido de nossa mãe, no cuidado com cada uma daquelas plantas. Faça chuva ou faça sol e a primavera vem nos visitar, renascendo e renovando o nosso olhar. No dia de ontem, há 53 anos, uma destas flores de nosso jardim poético, deixou-nos, para encantar o jardim celestial. Pablo Neruda (1904-1973), o poeta chileno, escreve hoje seus versos, e os declama, no face-a-face com o Pai. Ele que, sobre a primavera, havia dito: “Podes cortar todas as flores, mas não podes impedir a Primavera de aparecer”. Nossos sonhos floridos e aromatizados por mais uma primavera.

Primavera que vai ditando o ritmo da natureza e nos colocando em sintonia com o Universo. O Deus Criador está à frente de tudo, pois tudo e todos somos obras suas. Tempo de renascer para outra sociedade possível, onde a primavera não seja o florir de alguns poucos, em detrimento dos demais seres que habitamos a Casa Comum. Tempo de ter em nós a dignidade da primavera que, mesmo ferida, maltratada e machucada, renasce dos escombros. Renascermos com a dignidade da criatura que se volta para o Criador e reconhece que não somos nada e nem ninguém, sem a força d’Ele, que nos mantém. Viver cada dia primaveril de nossas vidas inspirando-nos naquilo que foi dito pela indígena Eliane Potiguara: “A coisa mais bonita que temos dentro de nós mesmos é a dignidade”.

Deus é amor! Deus é misericórdia! Deus é justiça! A justiça de Deus ultrapassa todos os critérios humanos. Deus é equitativo e “faz o sol nascer sobre maus e bons, e a chuva cair sobre justos e injustos”. (Mt 5,45) A justiça de Deus ultrapassa todas as fronteiras do pensar humano. Somos assim, chamados a viver no dia-a-dia, como testemunhas desta justiça de Deus. Quem verdadeiramente ama, sabe ser justo. Ser justo com os irmãos é entrar em sintonia com Deus que é pleno de justiça para com todos e todas. Deus não age com justiça conosco apenas porque somos merecedores, mas porque Ele a essência da justiça.

Pelo menos é isto que nos ensina o texto que a liturgia nos traz neste domingo. Mais uma das parábolas contadas por Jesus, narrada pelo Evangelho de Mateus. Nela, Jesus compara o Reino dos céus como um patrão que saiu contratando gente para trabalhar para si, pagando a cada um o mesmo salário, mesmo com as diferenças de horas trabalhadas por cada um, com o seguinte argumento: “Por acaso não tenho o direito de fazer o que quero com aquilo que me pertence? Ou estás com inveja, porque estou sendo bom?” (Mt 20,15). O Evangelho abre a perspectiva do relacionamento humano para além das fronteiras limitadas que as pessoas costumam construir. Justiça que é uma ideia central da Bíblia hebraica e que São Paulo assim resumiu em uma de suas cartas: “O justo viverá pela fé”. (Rom 1,17)

O Reino de Deus é dom gratuito a todos e não importa a hora que cada um vai abrir a porta e por ela entrar. Diferentemente da justiça humana, a justiça de Deus abrange a todos e quer que todos possam dela desfrutar. No Reino de Deus não existem pessoas marginalizadas. Todos e todas têm o mesmo direito de participar da bondade e misericórdia de Deus, que superam tudo aquilo que as pessoas consideram como justiça. Fica claro no texto de hoje que no Reino não há lugar para o ciúme e disputas por merecimentos. Aqueles que julgam possuir mais méritos do que os demais devem aprender que o Reino é dom gratuito e graça de Deus. Um dos apóstolos de Jesus entendeu bem está proposição ao dizer em uma de suas cartas: “a raiva do homem não produz a justiça que Deus quer”. (Tg 1,20) A essência da vida cristã é ouvir a palavra do Evangelho e colocá-la em prática. A fé não se resume em afirmações que podem ser ouvidas e decoradas; ela é compromisso que leva a tomar atitudes concretas e cheias de consequências. Sejamos ousados como diria o filósofo iluminista francês, Voltaire (1694-1778): “O sucesso sempre foi a criação da ousadia”.