Sexta feira da Vigésima Quarta Semana do Tempo Comum. Inverno findando, com cara de verão. Nos meus mais de trinta anos, aqui pelas bandas do Araguaia, nunca tinha visto um inverno tão acalorado, repassando o bastão. A primavera vem chegando e também já experimentando esta diferença de um calor saárico. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a estação primaveril, tem o seu início, aqui no Hemisfério Sul, na madrugada do dia de amanha, mais precisamente às 3h50, e termina no dia 22 de dezembro de 2023, à 0h27, sempre no horário de Brasília.

A estação da primavera experimentando em sua pele verde, as consequências da ação devastadora do homem insensato, sobre a Mãe Natureza. Evidente que todo este calor, espalhado pelo Brasil afora, é decorrente da forma como tratamos o meio ambiente que nos circunda. Ou abrimos os nossos olhos, e tratamos de ser e fazer diferente, ou estaremos fadados a colher os frutos amargos de nossa ação rebelde sem causa. A hora é agora, pois o amanhã nos espera. Viver se transformou num grande desafio, como nos alerta o jornalista André Trigueiro: “Não dá para voltar no tempo, mas dá tempo de mudar o futuro”.

Há uma primavera dentro da cada um de nós. Um interior festivo e amoroso por natureza, mora em cada um de nós, dando as coordenadas ternurais do nosso coração. Das entranhas de nossa existência, brotam as flores e frutos sufocados pela nossa ação inconsequente, na relação diante do mundo. Como dizia a poetisa portuguesa Florbela Espanca (1894-1930): “Há uma primavera em cada vida: é preciso cantá-la assim florida, pois se Deus nos deu voz, foi para cantar! E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada que seja a minha noite uma alvorada, que me saiba perder, para me encontrar.” Passei a minha juventude declamando os poemas desta grande mulher. Que saudade!

Essas mulheres maravilhosas que nos encantam e nos dão vida, em todos os sentidos! A essência do ser feminino é ser e gerar a vida. De seu útero divinal, outras vidas são geradas; outras primaveras são gestadas. Rezei agradecido à Deus pelas tantas mulheres que fizeram parte da minha vida, desde o instante em que me reconheci como um ser criado e gestado no ventre daquela que me deu luz. O feminino divino de Deus, se fazendo presente na vida de tantas mulheres guerreiras, que foram cruzando o meu caminho, ensinando-me a ser quem, e como sou. Não seria eu, sem a participação contributiva delas. Dentro de mim, o ser feminino faz morada, delineando a personalidade do meu ser e estar no mundo. Como bem definiu a nossa Clarice Lispector (1820-1977): “O destino de uma mulher é ser mulher”, sendo a projeção da vida em nossas vidas. A infinitude de Deus se faz no ser mulher.

O que seria do mundo sem a presença delas? O que seria de nós sem elas? Não existiríamos e nem poderíamos desenvolver as nossas potencialidades. Não é sem significância que, mais da metade do mundo é constituída de mulheres e a outra parte, somos nós, os filhos delas. Dentro de cada um de nós, há esta porção feminina, por mais que a sociedade masculinizada, machista e misógina, esquece que não somos nada e nem ninguém, sem o ser feminino que nos deu vida própria. Misoginia que se caracteriza pela repulsa, desprezo ou ódio contra as mulheres, centrada em uma visão sexista, que coloca a mulher em uma posição subalterna.

Atitude completamente diferente da atitude de Jesus em relação às mulheres, durante a sua vida pública na Palestina de seu tempo, como fica evidente no texto que a liturgia nos apresenta nesta sexta feira. Jesus caminhando com as mulheres, e elas fazendo parte de seu grupo: “Os doze iam com ele; e também algumas mulheres que haviam sido curadas de maus espíritos e doenças: Maria, chamada Madalena, da qual tinham saído sete demônios; Joana, mulher de Cuza, alto funcionário de Herodes; Susana, e várias outras mulheres”. (Lc 8,1-3)

Para a cultura judaizante, era inadmissível que algum mestre, tivesse em seu quadro de seguidores, a presença feminina, uma vez que as mulheres figuravam entre aquelas pessoas que eram inferiores, desprezíveis, e que só serviam para procriar e servir aos seus donos (maridos). A vida das mulheres não era nada fácil nas comunidades judaicas no tempo de Jesus. Os próprios discípulos reproduziam esta herança cultural, desprezando também as mulheres. Jesus, ao contrário, as acolhe e faz delas protagonistas do processo da evangelização, à serviço do Reino. Ou seja, Ele forma a comunidade nova, a partir daquelas pessoas que são marginalizadas pela sociedade do seu tempo, como eram as mulheres. Elas também são parte integrante do grupo que acompanha Jesus. O ápice da valorização da mulher, no discipulado de Jesus, se dá com a sua Ressurreição: “Não tenham medo. Vão anunciar aos meus irmãos que se dirijam para a Galileia. Lá eles me verão”. (Mt 28,10). Elas são as primeiras testemunhas oculares do Ressuscitado. Viva as nossas mulheres guerreiras!