Vigésimo Quarto Domingo do Tempo Comum. Iniciamos a segunda quinzena do mês da Bíblia com um dos principais enfoques da vida cristã: o perdão. A centralidade da fé cristã está na Palavra de Deus. É ela que nos orienta para que possamos viver na plenitude do amor de Deus, pois foi assim que Ele nos criou. Estar em sintonia com esta Palavra, é estar em sintonia com o sonho de Deus para a humanidade. Como cantamos em nossas comunidades: “A Bíblia é a palavra de Deus, semeada no meio do povo. Que cresceu, cresceu e nos transformou. Ensinando-nos viver um mundo novo”.

Amanheci nas margens do Araguaia. Acordei mais cedo que o sol, para contemplar o ato divino do amanhecer. Contemplar Deus com a farra dos pássaros, entoando canções para receber o novo dia. Rezei no silêncio natural das águas, escorrendo por entre as areias claras, provocando os tradicionais “banzeiros”, típicos deste rio que mora dentro de mim. Visualizei a coragem e a ousadia de um pequeno cão, latindo entusiasmado, um enorme jacaré, que da margem, observava com os seus olhos arregalados, aquele petulante ser. Aos poucos, o sol foi banhando de luz os meus sonhos e as utopias de outro mundo possível, que carrego em minhas entranhas irrequietas. Deixei as aves no cais me amanhecer.

O amanhecer nos faz outros. Cada dia nasce de um novo amanhecer. Nele, Deus, com o seu sonho de amor, aposta todas as suas fichas, de que seremos e faremos diferente naquele dia, dádiva do Criador. Somos e podemos ser diferentes daquilo que não fomos, no dia anterior. Deus se faz presente no nosso desejo, como mistério insondável, num outro ser que podemos ser. Cada dia vivido é menos um, registrado no livro da história de nossa vida, como o poeta lírico romano Horácio, no pré-cristianismo, já nos advertia: “Acredita sempre que cada dia que amanhece é teu último”.

Um domingo cujo tema central da liturgia é a pedagogia do perdão. “Perdão, Senhor, por eu não amar. A cada irmão, com o mesmo amor com que você amou”. Assim cantávamos com o padre Ronoaldo Pelaquin, no ato penitencial de nossas celebrações festivas no seminário. Todas as vezes que estou diante deste Evangelho de hoje (Mt 18,21-35), me vem à memória aqueles dias passados ali, no inicio de minha formação para o sacerdócio. Ali, ficou explícito para mim que o ato de perdoar o outro está condicionado ao jeito de como Deus nos perdoa.

Até sete vezes, como queria Pedro? Não! Setenta vez sete, diz Jesus. O ato de perdoar é incondicional. Ao fazer uso de uma expressão hebraica (70×7), que simboliza um número infinito de vezes, Jesus está mostrando à Pedro e também a nós, que devemos perdoar nossos irmãos e irmãs repetidamente, sem limites, assim como Deus nos perdoa sempre. Perdoar não significa esquecer ou tolerar o mal, mas é um ato extremo de amor, compaixão e, sobretudo, misericórdia. O perdão nos liberta do peso do ressentimento, da raiva, do rancor e da amargura, e nos permite experimentar a paz e a reconciliação com Deus e com nossos semelhantes

Deus é amor, mas também é justiça. Ele é sempre justo e nunca age de forma desonesta, retribuindo à cada um de nós, aquilo que é digno. Um Deus que age pela amorosidade, misericórdia e compaixão. Um Deus que muito ama e que perdoa sempre, infinitamente. Um Deus que não leva em conta os nossos erros, mas a nossa capacidade de reconhecer os desvios da rota e buscar o caminho de volta. A experiência nos mostra que, quanto mais distantes de Deus, menos errantes e pecadores nos sentimos. O contrário também é verdadeiro, pois a proximidade com Ele nos faz ver sua grandeza diante da nossa pequenez.

Quem ama sabe perdoar! Quem não perdoa não sabe o que é amar! O perdão está na essência do ser cristão. Jesus, através do evangelista Mateus nos dando uma aula sobre a pedagogia do perdão. A dinâmica do ato de perdoar é conseguir perdoar quantas vezes forem necessárias, ou seja, infinitamente. Para o ser cristão, não existe limite para o perdão. O limite do perdão é o perdão sem limite. Perdoar sempre assim como Deus também nos perdoa sempre e infinitamente. Perdoar não é esquecer os erros, mas saber que maior que qualquer erro é a graça divina presente no ato de quem perdoa: “onde foi grande o pecado, foi bem maior a graça”. (Rom 5,20) O dom de Deus presente no ato de perdoar supera qualquer pecado das pessoas. O perdoar faz bem ao perdoado, mas principalmente a quem tem a nobreza de saber perdoar. Assim como o verdadeiro arrependimento brota do fundo do coração, o perdoar também tem a sua origem num coração que muito ama. Como diria o indiano Mahatma Gandhi: “O fraco jamais perdoa: o perdão é uma das características do forte”.