Quarta feira da Trigésima Primeira Semana do Tempo Comum. Vamos dando passos concretos rumo a mais um final de ano que se aproxima velozmente. O tempo voa! Se não nos atentarmos, somos engolidos pela máquina do tempo, e nos transformamos em multidão anônima. Tomar posse de nós mesmos e da história que construímos, é a primeira exigência de quem assume a sua consciência de ser enquanto Ser neste mundo, na perspectiva da metafisica aristotélica, ou seja, as coisas que existem enquanto existem. Tomar consciência de nós mesmos é saber que somos um ser que está no mundo, ou seja, vinculado ou indissociável enquanto corpo-mente-mundo. Como o filosofo existencialista francês Jean Paul Sartre assim definiu: “O Ser-em-si e o Ser-para-si”.

Tomado pelo espirito introspectivo, que um dia foi de um estudante de filosofia, amanheci filosofando, em meio à nostalgia do tempo, nublado propenso a chuva neste alvorecer. Tal motivação determinou a minha oração nesta manhã, também diante do texto do Evangelho que a liturgia nos propõe para hoje. Jesus que não está mais na companhia das lideranças dos fariseus, mas acompanhado por uma enorme multidão. É comum os evangelhos trazerem relatos de que a multidão se aproximava de Jesus e Ele as acolhia e ensinava: “Vendo as multidões, Jesus teve compaixão, porque estavam cansadas e abatidas, como ovelhas que não têm pastor”. (Mt 9,36).

Inicialmente, a multidão só seguia Jesus por absoluta curiosidade, ou seja sem compromisso algum, como João mesmo assim descreve: “e grande multidão o seguia, porque via os sinais que operava sobre os enfermos”. (Jo 6,2) Não se trata de algo anormal, uma vez que é natural do ser humano ser influenciado por aquilo que os outros estão fazendo, por aquilo que é atrativo e está em evidência. Assim, por onde Ele passava, multidões se aglomeravam em torno dele. O próprio Lucas que refletimos hoje, em uma de suas passagens afirma: “Ao romper do dia, Jesus foi para um lugar solitário. As multidões o procuravam, e, quando chegaram até onde ele estava, insistiam que não as deixasse.” (Lc 4,42) A Boa Notícia do Reino é o amor de Deus que provoca a transformação radical das estruturas que escravizam as pessoas.

Porem, Jesus não deseja que seus discípulos tenham o comportamento característico da multidão: a multidão quer, reivindica, o discípulo renuncia; a multidão é vulnerável, o discípulo é convicto; a multidão quer ser servida, o discípulo, serve; e, por fim, a multidão quer o que Jesus tem para dar, enquanto o discípulo quer quem Jesus é. Atitudes completamente distintas de uma e do discipulado de Jesus. Ser discípulo, ser discípula do Mestre, é estar prontos e preparados para as exigências feitas por Jesus de Nazaré. Essas exigências aparecem implícitas no chamado de Jesus que se constitui no “Segue-me”, ou no “Vinde após mim” em algumas passagens registradas nos Evangelhos.

Um dos renomados teólogos alemães Dietrich Bonhoeffer (1906-1945) dizia que: “A ação não surge do pensamento, mas de uma disposição para assumir responsabilidades”. O discipulado possui responsabilidades que nem sempre estão presentes na multidão anônima, que vai atrás de Jesus. O discípulo tem o compromisso de seguir as mesmas pegadas de Jesus, revestidos da graça. É uma jornada a ser empreendida. Contudo, essa jornada é acompanhada de algumas exigências básicas: conversão, adesão, arrependimento, compromisso e perseverança. A palavra “segue-me” (akolouthéo) como em Mt 9,9, está no imperativo, sendo, dessa forma, uma ordem. Por essa razão, aqueles que receberam a ordem de seguir a Jesus, precisam obedecê-la.

Jesus é extremamente exigente e radical, no chamado que faz ao seu discipulado: “Se alguém vem a mim, mas não se desapega de seu pai e sua mãe, sua mulher e seus filhos, seus irmãos e suas irmãs e até da sua própria vida, não pode ser meu discípulo”. (Lc 14, 26) No chamado está implícita esta exigência fundamental. Nos convidam a segui-lo, como aos discípulos, e eles, deixando tudo, aceitam o convite em clara disposição de renúncia. O Discípulo precisa estar disposto a abrir mão de tudo, pois ele encontra o Deus que faz as coisas, e não apenas as coisas que o Deus faz. De multidão, a discipulado. Ser discípulo/a é seguir a Jesus e continuar o seu projeto. É viver uma nova relação com as pessoas, com as coisas e consigo mesmo. Trata-se de assumir com liberdade e fidelidade a condição humana, sem superficialismo, conveniência ou romantismo. O discípulo, a discípula de Jesus deve ser realista, a fim de evitar falsas ilusões, atitudes covardes e comodismo. Que as exigências não nos afastem do projeto originário de Jesus. Sejamos nós parte deste discipulado, fazendo e acontecendo na história o Reino!