Segunda feira da Quinta Semana da Quaresma. Para o cristão, a Quaresma é o caminho que nos leva à Páscoa do Cristo Ressuscitado. Mas até lá chegar, teremos que passar ainda pela sua Paixão e Morte. É o caminho do calvário, percorrido por Jesus. A palavra “calvário” deriva do latim “calvarium”, cuja expressão tem também a sua representação no grego “kranion”, que pode ser traduzida por “crânio” ou “caveira”. O calvário ou gólgota é um local localizado fora das muralhas da cidade de Jerusalém, onde Jesus carregou a sua cruz e foi crucificado. Apesar deste cenário triste, ao passar pela experiência da cruz e ser morto nela, a palavra final de Deus é vida e esperança, com a Ressurreição de seu Filho.

Estamos a dois dias de mudança de estação. O verão entregará o bastão ao outono nesta próxima quarta feira, dia 20. Entretanto, a estação mais quente do ano, segue causando, com as suas temperaturas nas alturas. A impressão que se tem é que iremos morrer assados. Nós aqui ainda temos o Araguaia para afogar as mágoas, nos mergulhos sorrateiros, quando a situação aperta. As águas de março se esqueceram de marcar sua presença por aqui, fechando o verão, como canta a canção. Faço a alegria da passarada em meu quintal, pois deixo o esguicho salpicar agua à vontade, sobre as plantas e os visitantes, com suas asas entreabertas, refrescando-se com a água sobre seus corpos plumados.

Nem esperei o sol chegar e já estava rezando nesta manhã na capela de Pedro. No silêncio daquele recinto, dá até para sentir a presença de nosso pastor ali sentado, em estado de profunda contemplação. O homem rezava muito, sempre encontrando momentos para estar a sós com Deus, num diálogo aparentemente mudo. Falava com os olhos apontando para o infinito. Não havia dúvida de que toda a sua fidelidade, resistência, teimosia e fidelidade, eram provenientes desta sua capacidade de contemplação naquele espaço sagrado. De meu lado, ficava ali imaginando o nível da sua prosa com Jesus. Claro que não era um simples falar com Deus, mas um relacionamento com o divino Mestre de intensa cumplicidade, que o fazia ser quem Pedro era.

Rezei contemplando a cena de Jesus com a mulher surpreendida em adultério, trazida por escribas e fariseus, de que o Evangelho de João retrata para nós no dia de hoje. Os inimigos de Jesus aprontando uma cilada para Ele, para coloca-lo em uma situação de difícil solução, já que a Lei de Moises era clara: “Se um homem cometer adultério com a mulher de outro homem, com a mulher de seu próximo, o homem e a mulher adúltera serão punidos com a morte”. (Lev 20,10) Ambos, homem e mulher eram apedrejados até a morte. Se Jesus dissesse que a Lei fosse cumprida, entraria em contradição com toda a sua pregação (sua prédica e prática) que era exatamente a favor da vida, cumprindo aquilo que fora dito pelo profeta Ezequiel: “Não quero a morte do pecador, diz o Senhor, mas que ele volte, se converta e tenha vida”. (Ez 33,11)

As autoridades judaicas eram contraditórias, pois, além de não tratar a questão religiosa como ação libertadora, usavam do espaço religioso como mecanismo de exploração e perpetuação de suas regalias e privilégios. Além do mais, na cena descrita por João, apenas a mulher que fora surpreendida em pecado, fora trazida à presença de Jesus. Curiosamente, o adúltero não fora trazido junto com a mulher. Somente ela, para o julgamento e punição, contrariando a transcrição da Lei mosaica. Toda uma plateia estava atenta e pronta à execução daquela pobre e anônima mulher. Uma cena bem parecida com os nossos dias de hoje, em que as “pessoas de bem” querem estabelecer as condutas para as demais pessoas, a partir de seus conceitos éticos e morais duvidosos.

Jesus dá uma grande demonstração de coerência ao agir de forma pedagógica: “Como persistissem em interrogá-lo, Jesus ergueu-se e disse: Quem dentre vós não tiver pecado, seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra”. (Jo 8,7) De juízes e julgadores daquela pobre e indefesa mulher, passam a serem julgadores de suas próprias consciências, suas condutas de vida e as contradições inerentes àqueles e àquelas que estão sempre prontos a julgar e condenar os outros. Para Jesus, a pessoa humana está acima de qualquer lei. A Lei antiga e a lei nova estão a serviço da vida das pessoas: “a lei foi feita para o homem, e não o homem para a lei”. (Mc 2,27). Não se trata de estreitar ou alargar a lei, mas de dar sentido totalmente novo a todas as estruturas e leis que regem as relações entre as pessoas. Assim toda lei que oprime a pessoa humana é lei contra a própria vontade de Deus, e deve ser abolida. Ninguém pode julgar e condenar, porque nenhum de nós está isento de pecado. O próprio Jesus não veio para julgar, pois o Pai não quer a morte do pecador, e sim que ele se converta e viva como bem disse o profeta Ezequiel (cf. Ez 18,23.32).