Quarta feira da Segunda Semana da Quaresma. Se no Calendário Gregoriano, este é o 59º dia, no Calendário Litúrgico, estamos percorrendo o décimo quinto dia dos quarenta que haveremos de trilhar até a Páscoa do Cristo Ressuscitado. Muita lenha para queimar, para que possamos alcançar a nossa conversão. “Metanoein”, diriam os gregos, que é a união de metá, que quer significar “depois” e “νοῦς”, que significa “pensamento” ou “intelecto”. Todavia, para a concepção cristã, a conversão vai além da mudança do pensamento, atingindo a pessoa por inteiro, no que diz respeito às atitudes, jeito de ser agir e pensar diante da realidade. Mais do que a mente, é o coração que necessita de mudanças profundas e radicais.

Estamos no período quaresmal, e acompanhamos Jesus no seu caminho à Jerusalém. Da periferia na Galileia, para o centro do poder politico, econômico e religioso. O poder da morte, que se contrapõe ao poder da vida que está em Deus. Ao nos colocarmos no caminho com Ele, devemos estar cientes de que os passos d’Ele o levam à cruz. Não a cruz do fim último na morte, mas a vida plena que nasce de Deus. Jesus, que assume conscientemente sua opção de vida com o caminho de Deus, rumo à Jerusalém, em consequência de sua fidelidade ao projeto do Pai, de sua opção radical de doar a própria vida pelas causas do Reino.

Depois de uma noite bem dormida, reparadora de todo o cansaço do dia anterior, madruguei na companhia de Pedro, buscando sua interseção junto a Deus por todos nós. Rezei no silêncio sepulcral, ali onde estão depositados os restos mortais do profeta, sendo testemunhado pelas águas correntes do Araguaia e os primeiros raios do sol, nascendo na Ilha do Bananal/TO. Volta e meia ouvindo o som da água em correnteza, batendo nas paredes do cemitério, após a passagem de alguma voadeira, provocando os já conhecidos “banzeiros”. Entre uma prece e outra, captei em minha mente uma das frases que gostava de dizer-nos: “A solução é sempre a esperança. Uma esperança, porém, que comece a trabalhar, que saiba viver o dia a dia, que procure fazer o trabalho de justiça e libertação com os outros” (Pedro Casaldáliga).

Converter é encontrar o segredo para experimentar o melhor de Deus em nossas vidas. Buscar a nossa conversão no estilo paulino que assim nos aconselha: “Não se amoldem às estruturas deste mundo, mas transformem-se pela renovação da mente, a fim de distinguir qual é a vontade de Deus: o que é bom, o que é agradável a ele, o que é perfeito”. (Rm 12,2) A vida cristã é a nossa resposta concreta à misericórdia de Deus, que abrange toda a nossa existência humana. Assim, como Jesus ofereceu-se livremente, passando pelo caminho da cruz, cada um de nós que quisermos seguí-lo, devemos oferecermo-nos a nós mesmos, como doação total pelas mesmas causas d’Ele. É pelo discernimento que vamos rompendo com as estruturas corrompidas pela injustiça, e vamos distinguindo a vontade de Deus que leva à justiça e à vida do Reino.

É o anúncio da Paixão! Jesus que fala de si e do caminho que tem que percorrer rumo à Jerusalém. É o que nos propõe hoje a liturgia com o texto de Mateus para a nossa reflexão. Em outros momentos, este evangelista coloca na boca de Jesus outros dois anúncios: Mt 16,21; Mt 17,22. Estamos, portanto, no terceiro anúncio da Paixão (Mt 20,17-28). Os três evangelistas sinóticos apresentam os mesmos três anúncios da paixão. Como estamos refletindo com o Evangelho de Mateus, aqui Jesus está comunicando aos seus discípulos o fim trágico do Messias, sob a perspectiva humana, pois em Jerusalém, residiam as forças da morte, que iriam atentar contra a vida d’Ele: “Eis que estamos subindo para Jerusalém, e o Filho do Homem será entregue aos sumos sacerdotes e aos mestres da Lei. Eles o condenarão à morte, e o entregarão aos pagãos para zombarem dele, para flagelá-lo e crucificá-lo. Mas no terceiro dia ressuscitará”. (Mt 20,18-19)

Entretanto, enquanto Jesus anuncia a sua Paixão, Morte e Ressurreição, os discípulos estão disputando entre si qual deles seria o maior no Reino de Deus. Ou seja, não entenderam nada da proposta de Jesus, mesmo tendo caminhado longos dias com Ele. Ainda estava presente na cabeça deles o Messias nacional triunfalista, aquele “patriota”, que iria libertar o povo do poderio e das estruturas de dominação romanas. Havia um clima inóspito de competição entre os discípulos, contrariando assim toda a proposta de Jesus. A eles, Jesus mostra que a única coisa importante para o discipulado é seguir o exemplo d’Ele: servir e não ser servido. Ou seja, na nova sociedade projetada por Jesus, a autoridade não é exercício de dominação e poder, mas é a qualificação para a doação e o serviço que se exprimem na entrega total de si mesmo, para o bem comum de todos e todas. “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a própria vida pelos seus amigos”. (Jo 15,13)