Sábado da Vigésima Quarta Semana do Tempo Comum. A primavera chegou! Oficialmente, ela chegou aqui no Hemisfério Sul, muito embora já tenha dado mostras de que já estava por aqui, com a floração das diversas espécies da natureza, renovando e perfumando o ar. Muito comum por aqui o sobrevoo das abelhas, executando aquilo que elas fazem de melhor: a polinização. Em tempos normais, a primavera seria o período de temperaturas amenas e agradáveis, mas… Segundo os estudiosos no assunto, além da acentuação da umidade, o que define astronomicamente o início e o fim da primavera no globo terrestre, são os fenômenos equinócio e solstício. Curiosamente, esse é o dia do ano em que as noites e os dias têm igual duração.

Que venham esta e outras primaveras, renovando as nossas vidas, fazendo de cada um de nós, melhores seres no cuidado com as nossas relações interpessoais e também o cuidado com a “Casa Comum”. Casa comum que é a casa de todos, como nos alerta o Papa Francisco: “Há muito tempo esta casa que nos hospeda sofre com feridas que causamos por causa de uma atitude predatória, que nos faz sentir como soberanos do planeta e dos seus recursos e nos autoriza a um uso irresponsável dos bens que Deus nos deu”. Que o florir da primavera renasça em nossos corações, petrificados pela ganância, autossuficiência e prepotência, tingindo de cinza o nosso arredor.

Invoquei nesta manhã o cantor e compositor, meu conterrâneo, Beto Guedes, tomando emprestando uma de suas canções como objeto de minhas orações: “Sim, todo amor é sagrado. E o fruto do trabalho. É mais que sagrado…” Dialoguei com Deus ao som do zumbido das abelhas, polinizando o meu quintal. Louvei o Deus da Criação, me fazendo uma de suas criaturas, a mais ínfima, talvez. O aroma primaveril, invadindo todo o espaço. Deus se fazendo presente na sua arte criativa oferecendo-nos o dom maior da vida. A memória mostrou-me que está funcionado a contento, pois veio à mente as palavras do Livro do Gênesis: “Então Deus contemplou toda a sua criação, e eis que tudo era muito bom”. (Gn 1,31)

Palavra de vida! Palavra de amor! Palavra que nasce e é cultivada. Palavra que no dia de hoje está se transforma em semente, conforme nos relata o evangelista São Lucas. Um texto bastante conhecido de todos nós, e que aparece nas versões dos Evangelhos Sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas), com pequenas variações. Jesus falando às multidões, fazendo uso da narrativa em formato de parábolas. Mesmo sendo uma linguagem simples, tais multidões não conseguem abstrair todo o sentido e o significado da mensagem. Os discípulos de Jesus, também não, tanto que pedem que Ele os esclareça sobre. A difícil arte de escutar a palavra e fazer dela vida na vida.

É o início da atividade messiânica de Jesus. As multidões sofridas e desprezadas pelas classes dominantes e também religiosas, acorriam a Jesus, vendo n’Ele a fonte maior de esperança de uma vida melhor. Como Lucas mesmo salienta em seu evangelho, Jesus é aquele que se apresenta como o caminho. Um caminho que se realiza na história humana. Para trilhar este caminho, o Filho, Verbo encarnado, vai à frente, delineando na história o projeto de salvação de Deus. Jesus é a Palavra de Deus que ganhou vida nas nossas vidas. Palavra que se faz semente, semeada no chão das nossas vidas, que precisa germinar e produzir frutos. Hoje é tempo de ser semente semeada, palavra cultivada, amor transformado em frutos de esperança.

As sementes trazidas por Jesus são as sementes do Reino, e elas se espalharam pelo mundo inteiro. Sementes estas que precisam de um solo fértil para ser/ter vida plena. Semente que é a Palavra de Deus, semeada nas nossas mentes e coração, a espera que seja acolhida, cuidada e se transforme em frutos de justiça, fraternidade e paz. Como explicou Jesus a seus discípulos, haverá muitas perdas, isto é, muitos procurarão sufocar as sementes do Reino, antes que chegue a vitória final. Querer negar e fugir dessas dificuldades para a implantação do Reino é não compreender o seu mistério.

A missão de Jesus é continuada em todos aqueles e aquelas que fazem a sua adesão ao acolher a semente. Há vários tipos de terrenos onde esta semente é semeada. Cada pessoa vê e entende a partir do lugar que ocupa na sociedade e das dificuldades que encontra para se comprometer com Jesus e para continuar a ação d’Ele. O chão que acolhe a semente e a faz transformar em vida e frutos, é aquele que deixa o seu coração transbordar de amorosidade para com os que estão à beira das nossas estradas existenciais. A cabeça pensa e o coração sente a partir de onde os nossos pés estão pisando no caminho. “Todo dia é de viver. Para ser o que for. E ser tudo”. (Amor de Índio – Beto Guedes) Um dia primaveril nos sorriu, seguindo na mesma inspiração da nossa flor poética, Clarice Lispector: “E assim como a primavera, eu me deixei cortar para vir mais forte”.