Sábado depois das cinzas. Quarto dia da quaresma. 48º dia do ano no Calendário Gregoriano. Faltam 318 dias para findar o ano ora vigente. Para a cultura milenar chinesa, este é o ano de 4.722 de seu calendário, é dedicado ao dragão. Para eles o dragão simboliza a nobreza, poder, honra, excelência e sucesso, tendo sua imagem, inclusive, associada aos grandes imperadores das antigas dinastias seculares chinesas. Na China, o dragão, ou “lung”, é depositário de todas as qualidades que o ser humano almeja: sabedoria, coragem, nobreza, força, beleza.

O calendário ocidental, entretanto é o gregoriano, que foi criado em 1582, pelo Papa Gregório XIII (1502-1585), daí a origem do nome “gregoriano”. Para tanto, o Papa utilizou como base outro calendário, o Calendário Juliano, que fora criado pelo imperador Júlio César no ano de 45 a.C.. Este calendário era utilizado pelo Império Romano, e ainda hoje é usado por cristãos ortodoxos em alguns países pelo mundo afora. Calendários a parte, seguindo o nosso caminhar litúrgico cristão, estamos trilhando os caminhos quaresmais. Tempo forte de oração, solidariedade e jejum, rumo à Páscoa do Cristo Ressuscitado: vencer a morte por amor.

O tempo é de conversão: “metanoia”. Mudar para experimentar o melhor de Deus em nós: sua amorosidade de Pai/Mãe que ama de forma divinamente generosa. Mudar pensamentos, atitudes e gestos concretos, vindos diretamente da fonte cristalina do coração. Deixar que o nosso coração coordene as mudanças que queremos imprimir à nossa rotina de convivência entre irmãos e irmãs que somos, pertencentes a grande família de Deus. Mudar o mundo é mudar quem somos em nossa essência, sendo nós a mudança que queremos ver no mundo: “Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus”. (Rm 12,2)

“Conversão, justiça, comunhão e alegria do cristão; é missão de cada dia”. A vida cristã é a resposta concreta de cada um de nós à misericórdia de Deus que abrange toda a existência concreta do ser humano. A espinha dorsal do cristianismo é o amor que se aloja no coração e se espalha por todo o corpo. Assim, cada cristão oferece a si mesmo, sendo ele próprio a presença viva de Deus no mundo. Cada dia é um passo dado nesta direção, que culminará no nosso encontro pessoal com Deus na morada definitiva. Enquanto isso, vamo-nos convertendo cada dia, deixando de assumir atitudes de conformismo, mas combatendo as estruturas corrompidas pela injustiça e, através do discernimento, distinguir a vontade de Deus que leva à justiça e à vida plena.

Nestes tempos de conversão, a liturgia deste sábado nos coloca diante da vocação do discipulado de Jesus. Vocação é chamado! Chamado para servir! Chamado a sair de si! O Evangelho de Lucas relata um dos primeiros chamados de Jesus àquele que deveria segui-lo: chamado de Levi. Um nome forte que dá a ideia de “unir” ou “juntar”. O nome Levi é de origem hebraica, e tem raízes bíblicas. Na Bíblia, Levi era o terceiro filho de Jacó e Lia, e foi o ancestral dos levitas, uma das doze tribos de Israel. Além disso, o nome também aparece em outras tradições religiosas, como no Islã, onde Levi é considerado um profeta.

Contudo, o texto Lucano trata de outro Levi: Mateus, que também é chamado de Levi. Era filho de Alfeu, conforme os Evangelhos de Marcos e Lucas (Mc 2,14; Lc 5, 27). São Mateus foi um dos doze apóstolos de Jesus. Um grande pecador, pois exercia a função de cobrador de impostos dos hebreus, a serviço do império romano. Era alguém desprezível, tido como um grande pecador. E é justamente indo em direção a esta gente, que Jesus começa a escolher aqueles que fariam parte de seu grupo: pecadores, cobradores de impostos, prostitutas, pagãos. Tudo gente marginalizada na época, por si tratar dos descartados. Jesus de Nazaré faz a opção de estar no meio desta gente, escandalizando a sociedade e as lideranças religiosas de sua época.

“Os fariseus e seus mestres da Lei murmuravam e diziam aos discípulos de Jesus: “Por que vós comeis e bebeis com os cobradores de impostos e com os pecadores?” (Lc 5,30) Jesus rompe os esquemas sociais que dividem as pessoas em boas e más, puros e impuros. Ao chamar um cobrador de impostos para ser seu discípulo, e comendo com os pecadores, Ele mostra que sua missão messiânica é reunir e salvar aqueles e aquelas que a sociedade hipócrita rejeita como pessoas más: “Os que são sadios não precisam de médico, mas sim os que estão doentes”. (Lc 5,31) Jesus indo na contramão do sistema.

O texto de hoje serve-nos como um grande paradigma para que saibamos ser inclusivos, compassivos, misericordiosos e não sentenciadores/julgadores, condenadores. Dentro de cada um de nós há um fariseu sempre pronto a julgar as pessoas, pelos nossos critérios de valor. Na proposta de “Igreja em Saída” do Papa Francisco, todos e todas somos chamados a fazer parte do banquete da vida. Quando o padre, ao distribuir a comunhão, seleciona as pessoas entre aquelas que estão “preparadas” e as que não estão, infelizmente este padre não entendeu o dito de Jesus do texto de hoje. Talvez, se formos seguir a risca este “mandamento” inventado pelo padre, pode ser que alguns deles, não estejam preparados para participar da Ceia Eucarística. Fica a dica: “Eu não vim chamar os justos, mas sim os pecadores para a conversão”. (Lc 5,32)