Segunda feira da Trigésima Quarta Semana do Tempo Comum. Novembro caminha rapidamente para entregar o bastão ao último mês do ano. Nesta semana estaremos encerrando mais um ciclo litúrgico. O Ano A está se despedindo de nós neste próximo sábado, dia 02 de dezembro. À nossa frente, na linha do horizonte, já aponta o Ano B. No Ano A lemos e refletimos o Evangelho de Mateus; no Ano B é a vez do Evangelho de Marcos e no Ano C, o Evangelho de Lucas. Alguns poderiam perguntar, e João? O Evangelho de João é reservado para ocasiões especiais, principalmente festas e solenidades.

A segundona preguiçosa veio sonolenta. O clima bastante fechado, propenso à chuva, proporcionou um ar bucólico. E foi assim que o dia aconteceu em meu quintal. O silêncio tomou conta de todo o espaço. Uma noite boa para dormir, já que o forte calor deu uma trégua. O silêncio foi interrompido com os sabiás que vieram me cobrar, por meio do seu canto, por eu não ter colocado ainda a ração para as cachorras, já que eles socializam com elas os grãos de ração. Já até sei quando eles começam a cantar perto de mim. É como se dissessem: acorda moço, e vai cumprir a sua obrigação! Este contexto fez-me lembrar de Manoel de Barros que dizia: “Quando as aves falam com as pedras e as rãs com as águas, é de poesia que estão falando”. E de poesia, o homem conhecia.

Rezei nesta manhã contemplando Jesus na sua atenta observação sobre a viúva. Na oferta dela dada no Templo, dera tudo o que tinha. Não como muitos de nós o fazemos e damos aquilo que nos sobra. É bom lembrar que as viúvas pertenciam à classe das pessoas mais oprimidas no tempo de Jesus: mulher, viúva e pobre. A tríplice condição de um ser humano, diante daquela sociedade. Na sociedade patriarcal, a elas somente era permitido sobreviver com amparo do esposo, do filho ou do pai. Por isso, tanto no Antigo como no Novo Testamento, elas, ao lado dos órfãos, compõem os representantes, por excelência, dos mais pobres e oprimidos.

As mulheres, as viúvas e os pobres estavam na lista daqueles que eram protegidos por Deus. No Pentateuco, repetidas vezes proíbe-se terminantemente a opressão a esses grupos. Já os profetas, Isaías e Ezequiel, denunciam aqueles que se aproveitam delas. Deus aparece como o Pai amoroso, defensor tanto das viúvas como dos órfãos, como Isaías mesmo assim descreve: “Ai daqueles que fazem leis injustas, que escrevem decretos opressores, para privar os pobres dos seus direitos e da justiça os oprimidos do meu povo, fazendo das viúvas sua presa e roubando dos órfãos!” (Is 10,1-2) Isaías denuncia não só a injustiça por parte daqueles que fazem as leis, mas também por parte daqueles que devem executá-las e fazer cumprir.

A tradição da defesa e solidariedade com as viúvas continua no Novo Testamento. Os Evangelhos Sinóticos retomam a lei que as defende e Jesus denuncia os fariseus que delas se aproveitavam: “exploram as viúvas e roubam suas casas, e para disfarçar fazem longas orações. Por isso eles vão receber uma condenação mais severa”. (Mc 12.40). Jesus critica veementemente as lideranças religiosas da classe dominante, que transformam o saber em poder, aproveitando-se da própria situação para viverem ricamente à custa das camadas mais pobres do povo. E o que é pior, disfarçando tal exploração com orações, isto é, com motivo religioso, tornam-se ainda mais culpados.

Jesus observa atentamente o comportamento da viúva que deu tudo de si. Na simplicidade dela, um exemplo a ser seguido. Ela não ofertou o que lhe sobrara, mas tudo o que tinha. Uma mulher pobre e viúva depositando no Tesouro do Templo tudo o que possuía para viver. Certamente iria ficar mais necessitada ainda, mas foi capaz de dar-se por inteira. Ao elogiar esta mulher, Jesus mostra que numa sociedade que acredita em Deus, deve vigorar não relações econômicas baseadas no supérfluo, mas relações de doação total, que não se prendem a seguranças pessoais.

Numa Igreja em Saída, como quer o nosso Papa Francisco, temos muito que aprender com a atitude desta pobre viúva. Ao contrário de atitudes como a dela, vemos predominar uma vaidade excessiva dos padres e bispos, movidos por um clericalismo exacerbado, onde as suas vestes e a sua mesa farta, são custeadas pelos recursos dos mais pobres que, com muito sacrifício, depositam suas ofertas, acreditando que elas irão custear a evangelização. Triste Igreja esta! Como alguém já apontou: “O clericalismo é um vício estrutural da Igreja e ameaça a tradição, porque impede que Cristo ‘saia’ das estruturas que o oprimem”. Dar o que temos e somos. Que tenhamos em nós a atitude desta viúva que foi capaz de dar tudo o que tinha e o que não tinha. “Não prejudiquem as viúvas nem os órfãos; porque, se o fizerem e eles clamarem a mim, eu certamente atenderei ao seu clamor”. (Ex 22,21-22)