Segunda feira da Vigésima Quarta Semana do Tempo Comum. Seguimos no mês setembro, a caminho da primavera que está logo ali. Enquanto a estação das flores e dos frutos está a caminho, vamos aproveitando do “Setembro Amarelo”, mês da Bíblia, para melhor compreender e viver bem a Palavra de Deus. “Palavra não foi feita para dividir ninguém. Palavra é uma ponte, onde o amor, vai e vem”, assim cantamos acertadamente nas nossas comunidades por ocasião do mês da Bíblia. Ela é a fonte da qual bebemos, para matar a nossa fome e sede de justiça.

O filósofo e pensador iluminista alemão Immanuel Kant (1724-1804), dizia assim sobre a Bíblia: “É minha fé na Bíblia que me serviu de guia em minha vida moral e literária. Quanto mais a civilização avance, mais será empregada a Bíblia”. A Bíblia, servindo de referência para alguém que se debruçou sobre os meandros da filosofia. Sofri um bocado, nos meus primeiros anos de estudo na filosofia, e Kant estava lá importunando meu frágil pensamento. Já mais para o fim do curso, fiquei inconformado comigo mesmo, por não ter entendido a linha de raciocínio deste grande pensador do século XVIII. Ainda bem que a nossa professora Lídia, nos ajudou nesta difícil tarefa.

A Bíblia nos ajuda a encontrar o caminho de nossa espiritualidade. Mas não basta lê-la simplesmente. Para tanto, é necessário desenvolver um percurso hermenêutico da Palavra de Deus. Uma hermenêutica que pressupõe uma interpretação, que orienta a reflexão teológica e a vivência da fé, cujo ponto preponderante é o sentir, promovendo o encontro do humano com a Presença Espiritual, que mobiliza para a realidade transcendente da vida. Tal abertura existencial do “leitor orante” da Bíblia, oportuniza a compreensão da vida humana, dos livros sagrados, da tradição e do agir humano, sob a ótica de Deus. Experiência hermenêutica, seguindo na mesma linha do grande teólogo Paul Tillich (1886-1965): “Dúvida não é o oposto da fé; É um elemento de fé.”.

Fé e espiritualidade que podemos e devemos aprofundar a partir do texto que a liturgia de hoje nos propõe refletir. Jesus está em Cafarnaum, diante de um oficial romano que recorre ao Mestre Galileu, para que este curasse um empregado seu. Apesar de pagão, tal oficial era alguém que “temia a Deus”. Homem de muita fé, segundo a compreensão de Jesus, deixando-o admirado: “Eu vos declaro que nem mesmo em Israel encontrei tamanha fé”, (Lc 7,9) Um simpatizante do judaísmo, que recebe de Jesus, a cura à distância de seu empregado, provando que a fé tudo pode, mesmo não se achando digno de ter em sua casa a presença do Filho de Deus.

Jesus que vai ao encontro daqueles que mais necessitam de cuidados. Os pagãos, recebendo o carinho e os cuidados de Jesus. Isto nos faz lembrar uma de suas falas: “Na casa de meu Pai há muitas moradas”. (Jo 14,2) Inadmissível que, ainda hoje na Igreja, alguns dos representantes da instituição, não tenham compreendido esta predileção de Deus pelos pobres e pecadores. Padres e bispos que interpretam autoridade como poder e não como serviço, se achando no direito de decidir, dar a comunhão para este e não àquele. Ainda bem que temos um “papa jesuano”, que nos diz com todas as letras: “Eu nunca recusei a Eucaristia a ninguém, a ninguém. A comunhão não é um prêmio para os perfeitos”.

Lucas é especialista em nos colocar no mesmo caminho com Jesus. Para ele, o caminho de Jesus é a pedagogia da libertação que nos ensina a fazer a história dos pobres que buscam um mundo mais justo e mais humano. Com efeito, Jesus traz o projeto para uma ordem nova, a libertação que leva as pessoas à relação de partilha e fraternidade, substituindo as relações de exploração e dominação. Não se trata apenas em curar alguém, que estava doente, mas em devolver-lhe as condições para que possa viver com a dignidade de filho de Deus.

“Senhor, não sou digno de que entres em minha casa”. (Lc 7,6) A simplicidade e a humildade fazem de nós, seguidores dignos de estarmos com Jesus. Uma fé que possui uma espiritualidade que nos liberta de todas as amarras do ser alienado que podemos ser. Nesse sentido, falamos que viver é interpretar e que as hermenêuticas podem ser direcionadas para práticas libertadoras ou para as que geram formas autoritárias, repressivas, alienantes, preconceituosas ou violentas. Uma religiosidade, mesmo com referência à Bíblia, pode até ter contato com pessoas e famílias pobres e não perceber nelas os anunciadores privilegiados do Evangelho. Muitas vezes podemos encontrar mais fé em pessoas que não pertencem a uma instituição religiosa do que entre aquelas que dela fazem parte, com suas práticas sacramentais, preceitos e normas morais.