Quarta feira da Terceira Semana da Quaresma. Seguimos a nossa caminhada rumo à Páscoa de Jesus: a vitória da vida sobre a morte. Ele não está morto, mas Ressuscitou: “Deus o exaltou à mais alta posição e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus todo joelho se dobre nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai”. (Filip 2,9-11) Jesus, embora tivesse a mesma condição divina de Deus, se apresentou entre os homens como simples homem. Serviu até o fim, perdendo a honra, ao morrer na cruz, como se fosse um malfeitor criminoso. Por isso Deus o Ressuscitou e o colocou no posto mais elevado que possa existir, como Senhor do universo e da história humana.

Uma quarta feira em que a morte do cacique Merong segue repercutindo. Agora envolvendo a Companhia Vale S.A. A mineradora multinacional brasileira, conseguiu na Justiça uma autorização que impede o sepultamento do cacique Merong Kamakã Mongoió, que morreu nesta segunda-feira (4), nas terras onde vivia com outras famílias, na cidade de Brumadinho. Uma mineradora, que devasta o solo brasileiro, levando a morte à centenas de pessoas, agora impedindo que uma liderança indígena seja sepultada em seu território de origem. A que ponto chegamos, com relação aos direitos adquiridos pelos povos originários, na Constituição Federal Brasileira de 1988 (art. 231 e 232). Nem depois de morto os indígenas tem sossego. Rasgaram a nossa Carta Magna.

A lei sendo usada para defender os interesses dos grandes e poderosos. Nesta quarta feira somos provocados a refletir sobre a função da lei em nossas vidas. Ela existe para dar consistência a nossa existência em sociedade. Regula a nossa vida, para que o nosso ser neste mundo seja compreendido como pessoas de direitos e deveres perante o todo da sociedade. Para tanto, não basta apenas uma lei escrita. Ela precisa ser regulamentada. Um exemplo disto é aquilo que está prescrito no Artigo 5º da CF de 1988: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade…”. Nossa Lei Maior diz desta forma, mas a prática cotidiana nos mostra que há alguns dentre nós que “são mais iguais que os demais”.

Liturgicamente seguimos refletindo com o Evangelho de Mateus. Nele, Jesus faz uma ponderação acerca da Lei e os Profetas. Evidentemente que Jesus está se referindo à Torá. Palavra de origem hebraica “tohráh”, podendo ser traduzida como “instrução”, “ensinamentos” ou “Lei”. Quando nos referimos à Torá, estamos fazendo alusão ao “Pentateuco”, ou seja, aos cinco primeiros livros da Bíblia, quais sejam: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. É bom lembrarmos que a Torá foi escrita por Moisés, por isso é também chamada de “livro da Lei de Moisés”. Jesus vem dar corporeidade a esta Lei, sendo partidário e defensor dos pobres e marginalizados. A Lei cumprindo a sua função social de defesa dos direitos dos pequenos.

No contexto do evangelista Mateus no texto de hoje, Jesus está dizendo para os seus ouvintes que Ele “não veio para abolir a Lei e os Profetas. Não vim para abolir, mas para dar-lhes pleno cumprimento”. (Mt 5,17) Ou seja, Jesus está afirmando que a Lei tem a sua validade enquanto diretriz para a ação humana, mas que precisa ser atualizada para a realidade em que estamos vivendo hoje. Na compreensão de Jesus, a Lei não deve ser observada simplesmente por ser Lei, mas por aquilo que ela realiza de justiça na vida das pessoas, sobretudo dos pobres. Talvez por este motivo, Ele traz presente à figura dos profetas, que primam pelo cumprimento da justiça. Assim, a Lei não pode ser dissociada do amor, da justiça, da misericórdia, da compaixão, da solidariedade, das relações de fraternidade entre os que são os descartados.

Ser “discípulo da Lei” com Jesus é ser partidário da justiça e dos pobres. É ser defensor da vida para todos. É ser instrumento de transformação da realidade em favor dos pequenos e marginalizados. É fazer-se presente nas lutas da história, incorporando o profetismo e a mística do sangue dos mártires da caminhada como o do cacique Merong Kamakã Mongoió. É ter uma espiritualidade que provoca à ação libertadora, na superação de uma fé alienante e desencarnada da realidade. É ser Igreja viva na luta com e para os pobres, indo até onde eles se encontram. Mais do que cumpridores de preceitos morais e religiosos, somos chamados a sermos instrumentos da justiça que há na Lei em favor da vida plena para todos. Como bem nos alerta o Livro de provérbios: “Os que abandonam a Lei elogiam o injusto; os que observam a Lei rompem com ele”. (Pr 28,4) A Lei é o amor e a justiça na liberdade de ser vida para todos.