Quinto Domingo da Quaresma. Entramos na última semana de nossa proposição de vivenciar os dias, sob a perspectiva da busca de nossa conversão. Resta-nos uma semana para findar este período em que a Igreja nos convida a repensar o nosso ser neste mundo, tendo como base os valores do Evangelho: a Palavra de Deus traduzida em gestos concretos de nossa vivência de fé. Embasar o nosso existir no projeto do Reino anunciado por Jesus: ser com Ele, como Ele, para os que mais necessitam, os pobres e marginalizados. “Na dúvida, fique do lado dos pobres”, dizia-nos nosso bispo Pedro, pois é lá, no meio deles, que encontraremos com Jesus. Conversão sem abrir o coração e a mente para esta realidade é mera fantasia de uma fé sacramentalista, devocionista.

“O caminho rumo à unidade começa com uma transformação do coração, com uma conversão interior”, alerta-nos o Papa Francisco. Converter também tendo em vista aquilo que nos propõe a Campanha da Fraternidade 2024. Pensar a amizade social é reconstruir relações que superam a dominação e a exploração. “Todos vós sois irmãos” (cf. Mt 23,8), é o que Jesus indica como resposta à conduta dos fariseus. Ele é o próprio horizonte, a partir do qual, devemos projetar a nossa vida. Em Jesus, os laços gerados a partir da fé são mais fortes que os laços de sangue. Como Ele mesmo disse, “Já não vos chamo servos. Eu vos chamo amigos” (Jo 15,15). O desejo de Jesus é a amizade fundada no amor-serviço; amizade pela qual Ele mesmo esteve unido ao que o Pai lhe dera.

A amizade social, como destaca o Papa Francisco em sua Encíclica “Fratelli Tutti”, é um amor que ultrapassa as barreiras geográficas e do espaço. Como a amizade é um dom gratuito de Deus, ela está presente em nós, mesmo que não a tenhamos desenvolvido conforme os planos d’Ele. Assim é preciso reconstruir conceitos que foram desfigurados pelos interesses particulares como democracia, liberdade, justiça social e unidade entre os irmãos e irmãs. Os pilares da modernidade perderam sua força utópica, sua força de mover para o bem comum. Foram desfigurados em prol da dominação. Por este motivo, precisamos desenvolver o discernimento espiritual e nos moldes metodológicos de promover processos pelos quais possamos ouvir, discernir e agir coletivamente em clima de amizade social.

Em tempos de desgaste das nossas relações humanas, em função dos interesses e valores diversos e controversos, somos chamados a despertar-nos para uma vida mais fraterna, onde a amizade tenha o seu lugar como dom de Deus em nós. Na realidade, a amizade não é algo que surge com a modernidade, mas está entranhada, inclusive, no pensamento antigo. Os filósofos já falavam dela como um valor absoluto na vida humana. Sócrates, por exemplo, dizia: “Para conseguir a amizade de uma pessoa digna é preciso desenvolver em nós mesmos as qualidades que naquela admiramos”. Por seu turno, Platão afirmava: “A amizade é uma predisposição recíproca que torna dois seres igualmente ciosos da felicidade um do outro”. Como vemos, em tempos de conversão, devemos buscar na amizade os valores intrínsecos à vida fraterna que construímos juntos, pessoa a pessoa, como forma de concretizar o sonho de Deus como família humana.

Além da amizade saudável que precisamos buscar, neste domingo somos também convidados a fazer a experiência da semente. Desejosos de ver e conhecer Jesus, somos desafiados a fazer a mesma experiência dos gregos que procuram ver e conhecer Jesus. Dando-se a conhecer, Jesus revela-lhes a sua hora dolorosa, assemelhando a sua vida ao grão de trigo que cai na terra: “Se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele continua só um grão de trigo; mas, se morre, então produz muito fruto”. (Jo 12,24) Adentrar ao mais profundo da existência humana, passa necessariamente pela experiência do conflito, da dor e até da morte, para que a vida venha de forma absoluta e total.

Jesus dá a sua vida por nós! Ele incorporou em si a experiência profunda do trigo que morre, fazendo brotar a plenitude da vida. A finalidade da semente, à primeira vista, parece que é morrer para multiplicar. É assim que ela se coloca a serviço da vida. A paixão e a morte de Jesus são comparadas com a semente da vida plantada na terra. Ele se coloca a serviço do Pai para que multipliquemos a vida no mundo. É por isso que Jesus fez com que os discípulos entendessem que amar é servir, e servir é perder-se na vida dos outros. Por isso, Ele morre para fazer viver. É assim que também nós morreremos com Ele e com Ele ressuscitaremos. Como amigos que O servem e estão lá onde Ele está: na cruz e na glória, conforme suas palavras: “Se alguém me quer servir, siga-me, e onde eu estou estará também o meu servo. Se alguém me serve, meu Pai o honrará”. (Jo 12,26) Que sejamos todos esta semente do trigo que da a vida pela vida!