Sexta feira depois das cinzas. Terceiro dia da Quaresma. A nossa caminhada só está começando. Estamos indo rumo ao Gólgota ou Calvário. Uma colina, cujo significado é “caveira”. Foi lá, na cidade de Jerusalém, que o Jesus Histórico, passou pela crucifixão. De uma experiência da vida doada na morte de cruz, como um reles malfeitor, nasceu a esperança cristã do Cristo Ressuscitado. A morte foi vencida pela vida, mostrando que a última palavra, é a de Deus, e é vida em abundância para os que creem. A primeira revelação do Ressuscitado sai exatamente da boca de um centurião romano: “De fato, Ele era mesmo Filho de Deus!” (Mt 27,54) Doravante, a salvação está aberta para todos aqueles e aquelas que confessam em atos concretos, que Jesus é o Filho de Deus.

Hoje a Igreja do Araguaia celebra a festa de São Pedro do Araguaia. No dia de hoje, há 96 anos, nascia na cidade de Balsareny, na província de Barcelona, seu ilustre filho Pedro Casaldáliga (1928-2020) Ordenado sacerdote claretiano em Montjuïc, Barcelona, em 1952, chegou ao Brasil em 1968, fundando a Missão Claretiana em São Félix do Araguaia, aqui no estado de Mato Grosso. Consagrado bispo a beira do Araguaia em 1971, foi o bispo responsável pela Prelazia de São Félix do Araguaia, numa região em que predominava a opressão de ricos latifundiários sobre posseiros, ribeirinhos, indígenas, quilombolas… Na sua radicalidade evangélica, dedicou o seu ministério às causas da vida.

Além da recusa dos “adereços episcopais sofisticados” (mitra, báculo e anel de ouro), gostava de ser chamado apenas de “Pedro”. No dedo, um anel de tucum; nas mãos um remo indígena; na cabeça um chapéu de palha nordestino. Foi assim que o bispo Pedro viveu seu ministério episcopal. Nada de “Dom Pedro”. Em 1971, exatamente no dia de sua ordenação episcopal como bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia, Pedro lançou a Carta Pastoral “UMA IGREJA DA AMAZÔNIA EM CONFLITO COM O LATIFÚNDIO E A MARGINALIZAÇÃO SOCIAL”. Esta Carta fez a denúncia contundente da realidade dos indígenas, posseiros e peões, nestas terras da Amazônia, num período de franca expansão colonial do Brasil na região, sob as coordenadas do governo militar da época.

Perdeu a conta das quantas vezes foi ameaçado de morte. A última delas ocorreu no ano de 2012, quando já doente, teve que deixar a sua casa, por ameaças de morte, devido a seu posicionamento a favor do Povo Indígena Xavante de Marãiwatsédé, que havia reconquistado o direito de voltar ao seu território tradicional, expulsos no ano de 1966. Pedro não fugia à luta. Sua teimosia radical esperançosa fazia dele um revolucionário das mesmas causas de Jesus, expressando o seu pensamento e posicionamento através da poesia e do esperançar de Paulo Freire, sendo orientado pela sua mística orante pé no chão. Pedro era a esperança que trabalhava pela justiça do Reino.

Como não podia deixar de ser, rezei nesta manhã em sua companhia. Por sorte, tendo por testemunhas um bando de enormes araras azuis, nas copas das árvores do cemitério, que na sua tagarelice, fizeram os acordes sinfônicos de fundo da minha oração, ali com Pedro diante de seu túmulo. Veio-me a mente um de seus conselhos, quando insistentemente nos dizia: “Devemos proclamar com humildade, mas sem complexos, nossa Páscoa e esperança escatológica”. Os tempos futuros ainda virão, mas até lá vivamos o presente no aqui e agora, do esperançar escatológico da vinda d’Ele. Enquanto isso, viva o nosso bispo Pedro!

Esperança escatológica que é o tema central de nossa liturgia para o dia de hoje. Sob o ponto de vista da Teologia, a Escatologia é a divisão da Teologia Sistemática que estuda as profecias bíblicas sobre o futuro, sendo comumente definida como “a doutrina das últimas coisas”. No texto de Mateus que refletimos no dia de hoje, Jesus está sendo questionado pelos discípulos de João Batista, pelo fato dos discípulos de Jesus não jejuarem como eles e os fariseus o faziam. A resposta do Mestre é desconcertante: “Por acaso, os amigos do noivo podem estar de luto enquanto o noivo está com eles? Dias virão em que o noivo será tirado do meio deles. Então, sim, eles jejuarão”. (Mt 9,15)

É importante salientar que para os antigos, o jejum caracterizava o tempo de espera da vinda do Messias. Com a chegada de Jesus, este tempo terminou. Ele veio substituir o sistema da Lei, rigidamente seguida pelos fariseus e também pelos discípulos de João. A justiça que vem da misericórdia, da compaixão e da partilha, abrem as portas do Reino para todos e todas. Chegou a hora da festa do casamento, isto é, da nova e alegre relação entre Deus e as pessoas. A atividade de Jesus mostra que o amor de Deus vem para salvar a pessoa concreta e não para manter as estruturas fundamentadas na prática rígida da Lei. A novidade, que é Jesus, rompe as velhas estruturas, inaugurando uma realidade de novas relações de amor, comunhão, participação, fraternidade, partilha. Por que não, de amizade social.