Segunda feira da Trigésima Primeira Semana do Tempo Comum. A esperança está no meu coração, mas a minha semana começou de luto. Ao final do dia de ontem (05), recebi a triste notícia da páscoa do filósofo Enrique Dussel (1934-2023). Aos 89 anos, deixou-nos este argentino radicado no México por longos anos. Ele que é considerado como um dos maiores expoentes da filosofia da libertação e do pensamento latino-americano. Eu diria o pai da filosofia da libertação. Muito me ajudou na construção de meu pensamento libertário, sobretudo com dois de seus livros: Ética Comunitária e Filosofia da Libertação. Quem ainda não os leu, recomendo!

E. Dussel, com o seu pensamento filosófico libertário latino-americano me ajudou a construir um lugar para a utopia em meu humilde pensamento. Trafeguei pelos quatro anos do curso de filosofia, tendo este filósofo como uma bússola nas minhas reflexões. Com ele, a utopia ganhou lugar no horizonte de meu pensamento, me fazendo acreditar esperançando e construindo o nosso caminho de libertação, longe da subserviência acomodada. Fiz o meu caminho pisando o chão de minha história, com a convicção de Mario Quintana quando dizia: “Se as coisas são inatingíveis… ora! Não é motivo para não querê-las… Que tristes os caminhos, se não fora a presença distante das estrelas!”

Utopia crível, que está também presente na proposta do Evangelho. Ele que é a fonte principal de nossa vivência cristã. Ser cristão e não mirar no Evangelho é deixar de beber na fonte cristalina do sonho de Deus em Jesus, o Verbo que se fez Carne e estabeleceu sua morada definitiva em nós. Utopia que o apostolo Paulo abraçou com todas as letras ao dizer: “já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim”. (Gl 2,20) Só um ato da gratuidade de Deus pode realizar este mistério profundo de carregar em nós a divindade do ser transcendente de Deus.

Gratuidade que está presente em toda a forma de Deus se relacionar conosco. Criou-nos à sua imagem e semelhança (Gn 1,26), fazendo de nossa humanidade, o ponto mais alto da criação: mulher e homem iguais, chamando-nos a participar da obra da criação. A criação inteira é marcada pelo selo de Deus. Deus que é muito bom e justo em tudo que faz! Deus é gratuidade! Deus que é amor! Deus que é misericórdia! Deus que é ternura e compaixão! Tudo o que vem ao contrário disso, não vem de Deus: ganância, usurpação, competitividade, arrogância, prepotência, mentira, ódio…

O Deus pleno de amorosidade é a face do Deus revelado em e por Jesus. O Deus da “fraternura”. Tudo junto e misturado. Ele que no texto que refletimos hoje, continua ainda na casa de um dos chefes dos fariseus. No seu diálogo com esta gente, Jesus está tentando convencê-los acerca da necessidade de se olhar para os pobres com carinho, cuidando deles, porque deles é o Reino dos Céus (Mt 5,3). Eles são os prediletos de Deus, ao lado das prostitutas, dos prostitutos, pagãos, estrangeiros, doentes, amaldiçoados e marginalizados. Ao contrário do que alguns possam pensar, não são os “papa hóstias”, bajuladores de padres, que não saem de dentro das igrejas como cumpridores de preceitos religiosos.

Jesus está sendo claro e objetivo com os fariseus: “quando deres uma festa, convida os pobres, os aleijados, os coxos, os cegos”. (Lc 14,13) Exatamente a categoria de pessoas (ralé) que eram as mais desprezadas pelas lideranças religiosas e politicas de Israel. Os fariseus, embora consideradas “pessoas religiosas” e vivessem zelosamente a Lei de Moisés e os preceitos elaborados pela tradição rabínica, desprezavam e não permitiam que os pobres tivessem acesso ao seu “movimento eclesial”. Os pobres eram completamente alijados. Jesus então propõe que eles convidassem para as suas festas estes pobres, pois eles não teriam como retribuir na mesma medida, mostrando assim que a relação se faz não através dos interesses mesquinhos, mas na gratuidade, como Deus assim o faz.

Fundamentado também pelo pensamento de Enrique Dussel, a Teologia Latino-Americana, que passou pelas Conferências Episcopais de Medellín (1968), por Puebla (1979), chegando a Santo Domingos (1992) e Aparecida (2007), consagrou a luta pelos pobres e pela libertação. Como afirmou o Papa Francisco: “Por uma Igreja pobre com e para os pobres”. Nosso bispo Pedro entendeu claramente o recado dado por Jesus aos fariseus em relação aos pobres, assumindo para si a convicção de que: “Os pobres são o único sacramento absolutamente universal e o único sacramento absolutamente necessário para a salvação”. O Evangelho de hoje nos mostra que o amor verdadeiro não é comércio, mas serviço gratuito, pois o pobre não pode pagar e o inimigo não pode merecer. Só Deus pode retribuir ao amor gratuito. Gratuidade se faz na gratuidade! Seja grato consigo mesmo, para que possa ser gratuidade na relação com as pessoas. Gentileza gera gentileza! Gratuidade também gera gratuidade! “De graça recebestes, de graça deveis dar!” (Mt 10,8)