Terça feira da Quarta Semana da Quaresma. Mais um passo dado, na tentativa de encontrar o caminho que nos aproxima de nossa conversão. Converter para viver segundo os desígnios de Deus. Sair de nosso mundinho, para alcançar patamares que nos colocam em sintonia com as demais pessoas, que a Campanha da Fraternidade deste ano chama de “Amizade Social”. A amizade social, como destaca o Papa Francisco em sua Encíclica “Fratelli Tutti”, “é um amor que ultrapassa as barreiras geográficas e do espaço. Um convite para reconhecer, valorizar e amar todas as pessoas, independentemente de sua origem ou condição social. É um chamado para construir pontes, promover o diálogo e trabalhar juntos pela construção de um mundo mais justo e fraterno”.

Amizade com Deus na pessoa de seu Filho Jesus. Ele que é o maior exemplo de amizade. Viveu intensamente esta realidade em gestos concretos durante a sua estada na Galileia, dando mostras de ser o melhor amigo que alguém poderia ter. Um amigo de verdade. “Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; mas chamei-vos amigos, porque tudo quanto ouvi de meu Pai vos dei a conhecer”. (Jo 15,15) A amizade como dom total de si mesmo: Jesus que se dá todo inteiro pelos amigos. Desta forma, a missão de todos nós, não nasce da obediência a uma lei, mas do dom livre que participa com alegria da tarefa comum, que é testemunhar o amor de Deus que quer dar vida.

Segundo o texto base da Campanha da Fraternidade 2024 “Fraternidade e Amizade social” e “Vós sois todos irmãos e irmãs” (cf. Mt 23,8), podemos definir a amizade social como o amor que permeia todas as relações sociais, sendo a base essencial das interações entre as pessoas e as comunidades. É um sentimento que transcende as diferenças individuais, inspirando-nos a buscar uma comunhão universal, onde a dignidade e o valor de cada ser humano são reconhecidos e respeitados. Você é meu irmão, minha irmã! O dom da vida está presente em mim e em você! Fomos criados para vivermos na intensidade da grande família humana. Não há sentido no isolamento e no caminhar sozinhos, pois esta realidade fere frontalmente a vontade de Deus.

Hoje, somos chamados a refletir sobre a doença relacionada ao pecado. A Bíblia diz que a doença é um dos resultados do pecado no mundo. Assim como todos vamos morrer, todos corremos o risco de ficar doentes. Uma das consequências do pecado é a morte, conforme está descrito numa das cartas paulinas: “Pois a morte é o salário do pecado, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Jesus Cristo, nosso Senhor”. (Rom 6,23) Mas isso não quer dizer que toda doença é castigo por algum pecado, ou sinal de falta de fé. A doença pode ter várias origens e somente aquela que está relacionada à pessoa que está pagando um pecado cometido pelos seus, como era a concepção na compreensão judaica no tempo de Jesus. Pior do que o “pecado da doença” é o pecado da rejeição. Este não tem perdão.

Havia uma verdadeira “teologia da doença”. Tanto que Jesus coloca a ligação entre pecado e doença em nível de sistema e estrutura, e devolve a todos a responsabilidade pelas coisas que acontecem. É desta forma que devemos interpretar o texto do Evangelho de João que refletimos nesta terça feira. Jesus está realizando o terceiro sinal, curando um pobre homem que sofria há 38 anos com a sua doença. Jesus não o rejeita, como faziam as autoridades judaicas em relação aos doentes, pobres, coxos e aleijados. A cura aconteceu em dia de sábado. Ou seja, Jesus afronta as autoridades, pois segundo estas, a Lei estava sendo descumprida, pois não se podia fazer aquele tipo de cura em dia de sábado. Fazer o bem, nem pensar, conquanto que a Lei fosse cumprida.

Com esta sua atitude, Jesus vai dizer que o direito à saúde é algo que deve ser protegido em qualquer tipo de sociedade, inclusive naquela de seu tempo. A saúde é um bem precioso que, nos nossos dias, consta inclusive da Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948), e está previsto também na Constituição Federal do Brasil de 1988, que em seu art. 196 assim diz: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. A forma mais comum de se ver esta condição vital, conforme a definição da Organização Mundial de Saúde é a ausência de doenças e completo bem-estar físico, mental e social. Como processo contínuo, a saúde é mesmo uma experiência de bem-estar, resultante de um equilíbrio dinâmico, e que reflete uma resposta aos desafios ambientais, referida no modo de se viver o cotidiano em sociedade.

Independente de cumprir ou não a Lei, Jesus realiza a cura. Aquele homem doente é a figura do povo oprimido e paralisado, à espera de alguém que o liberte. Jesus sai de si, enfrenta as estruturas, se contrapõe ao sistema, e vai ao encontro do paralítico, e lhe ordena que ele próprio se levante e ande, encontrando sua liberdade e decidindo seu próprio caminho. A libertação acontecendo de forma integral: livre da doença, aquele pobre homem se reveste de autonomia para decidir o seu próprio destino, sendo ele mesmo o protagonista de suas próprias decisões. Jesus é o Filho de Deus e a sintonia entre ambos, Pai e Filho se concretiza nas ações que Ele realiza em meio aos pobres. Para Deus e para Jesus, o importante é a vida e a liberdade. Elas estão acima até mesmo das leis religiosas e da opinião de quaisquer autoridades.