Quarta feira da Décima Oitava Semana do Tempo Comum. Aqui vamos nós dando prosseguimento na Terceira Semana de nosso místico, poeta, profeta Pedro Casaldáliga. Relembrar a sua vida é falar de seu testemunho, como seguidor de Jesus de Nazaré, na simplicidade e pobreza que sempre caracterizou a sua vida: pobre, com os pobres e para os pobres. Assumiu na radicalidade evangélica revolucionária o seu ser e estar com Jesus na pessoa dos empobrecidos, “Eu fui enviado somente às ovelhas perdidas da casa de Israel”. (Mt 15,24) Sua espiritualidade refletia o seu ser como caminhante pelas estradas desta prelazia, assumindo as dores dos deserdados´, sobretudo dos indígenas.

Por falar em indígenas, o dia 9 de agosto é uma data especial. Hoje é o “Dia Internacional dos Povos Indígenas do Mundo”. Mais do que um dia de festa, é uma data para relembrar a resistência na luta por seus direitos básicos fundamentais pelo reconhecimento das vivências plurais dos seus saberes tradicionais e da ancestralidade desses povos que, há mais de 500 anos, têm sua existência ameaçada. Oportunidade para refletir sobre a garantia pelo Estado desses direitos básicos, da liberdade de exercer seus usos, costumes e tradições, como está assegurado na CF/1988. É preciso que se dê um fim nas violências físicas e simbólicas, fim do genocídio, assegurando-lhes a vivência em paz em seus territórios sagrados.

O Censo Demográfico de 2022, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) dá conta de que há 1.693.535 de pessoas que se declaram indígenas no Brasil, correspondendo a 0,83% da população brasileira. No Censo anterior (2010), este número era de 896.917 pessoas indígenas, o que correspondia a 0,47% da população. Estes dados nos faz perceber que houve uma variação de 88,82% da população indígena em 12 anos. Povos indígenas: resistência, teimosia! Daqui da Amazônia, temos que concordar com a fala da indígena e filósofa brasileira Cristine Takuá à ONU em 2022: “Se hoje existem florestas, é porque os indígenas são guardiões, grandes sabedores, que dialogam com os espíritos, com as montanhas, os rios, as árvores, com todos os seres, animais, vegetais e minerais”.

Pedro sempre foi um defensor incansável das causas indígenas. Por esta causa, incontáveis foram as vezes em que fora ameaçado de morte. Como poeta que era, descrevia tal situação em versos: “Eu morrerei de pé como as árvores. Me matarão de pé. O sol, como testemunha maior, porá seu lacre sobre meu corpo duplamente ungido”. Sua poesia revolucionária estava em plena sintonia com a proposta da Justiça do Reino, trazida por Jesus, a quem ele se referia como “A Testemunha Fiel”. Mesmo em climas hostis, em que a sua vida estava por um fio, ele deitava sua cabeça sobre o travesseiro e dormia profundamente o sono do justo.

Pedro descansa seu corpo franzino no antigo cemitério do Povo Iny (Karajá), entre as sepulturas de uma prostituta e um peão, às margens do Araguaia, como era seu sonho traduzido no epitáfio que é a estrofe de um de seus poemas que está sobre a sua cruz:
“Para descansar eu quero só esta cruz de pau com chuva e com sol estes sete palmos de terra e a Ressurreição”. Hoje é um dos nossos intercessores junto de Deus que nos ajuda na nossa caminhada de busca permanente pelo Reino, fazendo acontecer no aqui e agora de nossa história.

Seguir os passos de Jesus por onde Ele caminha, na direção dos pobres e abandonados, como vemos hoje no texto que a liturgia nos oportuniza refletir. Mateus que nos situa Jesus numa terra adversa. Tiro e Sidônia eram cidades estrangeiras pagãs e ali, uma mãe aflita, suplica a Jesus a cura da filha, que tinha “um espírito impuro”. Ela estava disposta a tudo para atingir o seu objetivo. Entretanto, diante do pedido da mulher, a resposta de Jesus reflete a mentalidade judaica de seu tempo. Ele acredita que os filhos de Israel têm prioridade sobre os gentios. O termo “filhos” era aplicado ao povo de Israel, e o termo “cachorro”, mesmo usado no diminutivo, era um insulto contra os gentios, pois os cães eram associados com a impureza.

Jesus mostra que para a misericórdia de Deus não há fronteiras. A salvação trazida por Ele não é privilégio de um povo determinado, mas é para todos aqueles e aquelas que acreditam n’Ele e na sua missão, mesmo que sejam considerados como cães, isto é, estrangeiros. Aquela mulher pagã reconhece que Jesus é aquele que vem realizar um projeto concreto do Reino: constituir o povo de Deus na história. Esse reconhecimento faz com que ela e sua filha participem desse projeto. Desta forma, não são os atos de purificação ou as crenças particulares que possibilitam alguém fazer parte do povo de Deus, mas o fato de acreditar que Jesus é o guia desse povo. A misericórdia não conhece fronteiras. “Um grande profeta surgiu entre nós e Deus visitou o seu povo, aleluia!” (Lc 7,16) Podemos sim, aplicar este versículo ao nosso bispo Pedro.