Na última terça-feira (12/03), fomos surpreendidos com a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que rejeitou o crime de estupro de vulnerável no caso envolvendo uma menina de 12 anos e um homem de 20 anos na cidade mineira de Araguari. A Quinta Turma do STJ decidiu por uma estreita margem de 3 votos a 2, causando ampla repercussão e debate sobre a proteção de crianças e adolescentes contra a violência sexual no Brasil.

Este caso começou quando a mãe da jovem denunciou o agressor, que inicialmente foi condenado a 11 anos e 3 meses de prisão por estupro de vulnerável. Contudo, após apelação ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), o acusado foi absolvido, decisão esta que foi mantida pelo STJ, apesar do recurso apresentado pelo Ministério Público. Esta decisão contraria a súmula 593 do próprio STJ, que declara crime as relações sexuais com menores de 14 anos, independentemente do consentimento da vítima ou da existência de relacionamento amoroso.

O ministro Reynaldo Soares da Fonseca, relator do processo, introduziu a noção de que poderia haver um “erro de proibição”, sugerindo que o acusado não tinha conhecimento de que manter relações sexuais com uma menor de 14 anos configurasse crime. No entanto, a ministra Daniela Teixeira apresentou veemente oposição a essa interpretação, destacando a gravidade do caso não apenas como um ato de violência sexual, mas também como uma situação que expôs a vítima a uma gravidez precoce e todos os riscos associados.

A ministra Daniela Teixeira criticou a ideia de que o relacionamento entre um homem de 20 anos e uma menina de 12 anos poderia ser de alguma forma justificado, ressaltando que a situação representava uma violência inadmissível. Ela argumentou que não se tratava de proteger uma família, mas de punir uma agressão clara, marcando a decisão do STJ como potencialmente perigosa ao sinalizar uma tolerância com a violência sexual contra menores, um problema já alarmante no Brasil.

O caso também levanta questões sobre o contexto social e cultural que permite, e às vezes até endossa, relações e casamentos envolvendo menores. Dados da ONG Plan International mostram que o Brasil ocupa o 4º lugar mundial em número de casamentos infantis, com 554 mil meninas de 10 a 17 anos casadas, e mais de 65 mil entre 10 e 14 anos. Este fenômeno está diretamente relacionado a outros problemas graves, como evasão escolar, gravidez precoce, além de abusos e violência.

A absolvição do acusado pelo STJ, seguindo o argumento de “erro de proibição”, ignora não apenas o contexto legislativo claro sobre o crime de estupro de vulnerável, mas também as realidades sociais devastadoras enfrentadas por crianças e adolescentes sujeitas a abusos sexuais. A posição da ministra Daniela Teixeira ecoa uma preocupação mais ampla com a proteção dos direitos das crianças e adolescentes no Brasil, uma nação que já luta para combater altos índices de violência sexual contra menores. A decisão do STJ, portanto, não apenas desafia o entendimento legal existente, mas também pode impactar negativamente a luta contra a violência sexual infantil e o casamento infantil no país, sinalizando uma perigosa tolerância institucional com práticas abusivas.

  1. Paulo Afonso Tavares é doutorando em História pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Mestre em Ciências da Religião e mestrando em Desenvolvimento e Planejamento Territorial pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC GOIÁS). Especialista em Direito Constitucional no Gran Centro Universitário. Graduado em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo (PUC Goiás) e Filosofia (Instituto de Filosofia e Teologia de Goiás – IFITEG) e cursa Direito no Centro Universitário Alves de Faria (UNIALFA).