Trinta e um de março. Um fatídico dia para a história do povo brasileiro. No dia de hoje, há 60 anos, era deflagrado o Golpe Militar de 1964 no Brasil. Os militares tomam de assalto o poder através da força. Uma das páginas mais obscuras da história estava sendo escrita a partir deste dia. A noite da agonia que perdurou por 21 anos de perseguição, prisões, tortura, assassinatos, desaparecimentos, provocados pelos anos de chumbo dos militares no poder, cobrindo de sangue, suor e lágrimas a vida de centenas de milhares de famílias de brasileiros inocentes. Quanta dor! Quanto sofrimento!

Um povo que não possui memória histórica está fadado a cometer os mesmos erros do passado. O passado é algo que vemos pelo retrovisor da história, como forma de conduzir bem o presente e o futuro que se avizinha. Cometer os mesmos erros do passado, sabendo o quanto aquilo nos custou, prova a nossa insanidade alienada. Assim, comemorar o dia de hoje sem olhar pelo retrovisor, o que significou este terrível passado, é no mínimo provar do veneno da demência. Neste caso, como nos dizia Chico Buarque: “A memória é uma vasta ferida.”

Enaltecer os feitos deste período histórico é faltar, minimamente, com o respeito para com os familiares daqueles, que perderam os seus entes queridos para as garras virulentas da repressão. Se não vivemos na pele a experiência cruel desta barbárie, os registros históricos estão ai para nos fazer lembrar, que tal período, não poderá voltar nunca mais. “Brasil Nunca Mais” bradou o cardeal arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, através de uma coletânea de textos, relatando as crueldades feitas pelos algozes da ditadura em nosso país. O cardeal Arns enfrentou corajosamente este período, juntamente com o rabino Henry Sobel e o reverendo Jaime Wright. Que não volte nunca mais este período sombrio vergonhoso, ainda que insanos desequilibrados, enalteçam torturadores sanguinários.

O Brasil é tido como um dos países do mundo, cuja população é constituída, em sua imensa maioria, de cristãos e cristãs. Dentre estes estão aqueles que professam a fé católica. Entretanto, isto não quer dizer muita coisa, sobretudo porque, nos últimos tempos, vem acontecendo uma intensa proliferação do ódio entre nós. Pessoas que se dizem cristãs, católicas que defendem ardorosamente torturadores, a pena de morte e o uso de armas para resolver as questões sociais. Quem não se lembra das pessoas fazendo “arminhas” com as mãos, inclusive padres, no interior de suas igrejas, numa alusão à necessidade de armar a população para de se defender. Como se armas fossem a solução para os nossos problemas sociais.

A nossa igreja da prelazia de São Félix do Araguaia, também sofreu na própria pele, as agruras da repressão militar. Trogloditas armados até os dentes vieram a São Félix, na busca pelos guerrilheiros do Araguaia, entendendo que o nosso bispo Pedro, era uma das “células” de propagação dos ideais revolucionários dos guerrilheiros, que defendiam a luta aramada contra a ditadura. Por mais que o bispo se esforçasse para dizer que não fazia parte, mesmo assim, aqueles “donos da verdade” não se convenciam do contrário. Vários de nossos agentes de pastoral foram barbaramente torturados, para dizerem aquilo que não eram. Depois de muitos interrogatórios, de saída, Pedro ainda fez uma das suas. Com a bíblia nas mãos, disse ao comandante da tropa que aquele era na verdade o instrumento, a “cartilha”, que a prelazia sempre utilizava para desempenhar o seu papel.

Ditadura militar nunca mais! Torturadores nunca mais! Anos de chumbo jamais! De saber que o nosso Mestre e Senhor foi vítima da pena de morte, conduzida pelo Império Romano, com a ajuda das lideranças religiosas e até do próprio povo. Inadmissível que haja pessoas que se dizem cristãs, católicas, seguidoras deste mesmo Jesus, que defendam o retorno destes anos sombrios de barbárie. De saber que a nossa vida, a partir de então, tornou-se insustentável, por causa de uma inflação galopante, uma dívida externa astronômica e a democracia sendo varrida do meio da sociedade brasileira.

Vários de nossos bispos, padres, agentes de pastoral, tiveram atuações destacadas na luta contra este regime de segregação. Dentre os bispos destacam-se Dom Hélder Câmara, Dom Ivo Lorscheiter, Dom Pedro Casaldáliga e o próprio cardeal Arns. Sempre que este último abria o Curso de Verão, todos os anos no Teatro da PUC/SP (TUCA), nos recordava, com sorrisos nos lábios, como havia colocado para correr as tropas de invasoras da Universidade, na procura por professores e até mesmo estudantes: “Aqui, na Universidade, só entram aqueles que convidamos ou os estudantes que passaram nos vestibulares. Vocês não são nem uma coisa nem outra. Portanto, retirem-se!”. Esse era o destemido Dom Paulo Evaristo Arns. Brasil nunca mais!