Francisco (Chico) Machado. Missionário e escritor.

Quarta feira da vigésima semana do tempo comum. O mês de agosto segue a sua rotina de muito vento, poeira e calor aqui pelas bandas do Araguaia. As árvores se desfazendo de suas folhagens, como forma de enfrentar o período mais crítico. A natureza com a sua sapiência, guardando as energias para não se desfazer. Sabedoria que nos ensina, muito embora alguns de nós ainda insistem, em não querer aprender. Com a natureza aprendemos que ela não se apressa e mesmo assim, à seu tempo, tudo é realizado. “A natureza fez o homem feliz e bom, mas a sociedade deprava-o e torna-o miserável”. (Jean Jacques Rousseau)

17 de agosto. No dia de hoje, há 35 anos o céu ganhava uma nova estrela: celebrávamos a páscoa de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). Mineiro de Itabira, Drummond nos deixou aos 85 anos, depois de um belo acervo de poesias bem escritas que nos fascinam ainda hoje. Transitei pela poesia de Drummond graças a nossa professora de literatura no Seminário, Zilda Ribeiro, que despertou em mim o gosto pela literatura, pela poesia, e Drummond era um dos meus preferidos. Seu amor pela poesia, fez-me declinar o amor pelas causas humanitárias, sobretudo quando ele diz: “Não sei amar pela metade, não sei viver de mentiras, não sei voar com os pés no chão”.

Amor pelas causas indígenas. Amor pelo povo originário. Amor traduzido em prosa e verso na formação continuada de professores indígenas. Esta é a tarefa que estamos realizando por aqui neste mês de agosto. Eu e minha amiga Mariangélica Arone, de São Paulo, estamos com um calendário repleto de formação, razão pela qual não pratiquei os meus rabiscos nestes dias. Como nos demos uma folga hoje, aqui estou cumprindo a minha sina de rabiscar aos amigos de sempre. Amanha retomamos com os professores indígenas e também com os do campo. Seguindo a linha de Paulo Freire, com aquilo que ele diz no livro “Pedagogia da Autonomia”: “Quem ensina aprende ao ensinar. E quem aprende ensina ao aprender”. Mais aprendendo que ensinando, verdade seja dita.

Esta é a magia do amor: amar sem medida. Amar na medida das coordenadas do Reino. Amar com as forças do coração e da mente, fazendo deste nobre sentimento, a razão do viver. Viver por amor. Viver para o amor. Viver pelas causas que se ama. Agostinianamente falando, a medida do amor é o amor sem medidas. Amar até as últimas consequências. Amor que não discrimina e nem age com preconceito. Amor que vê a todos como iguais nesta dinâmica que é a vida. Vida humana e vida de todos os demais seres do planeta. Amor que queima e arde nas ações de construção do Reino de Deus. Reino dos céus na concepção mateana. Reino de Deus, se fazendo na história, como Jesus o compara através de uma de suas pedagógicas parábolas.

“O Reino dos Céus é como a história do patrão que saiu de madrugada para contratar trabalhadores para a sua vinha”. (Mt 20,1) Na perspectiva do Reino pensado como sonho de Deus, não existem pessoas marginalizadas. Todos e todas têm o mesmo direito de participar da bondade, da amorosidade e da misericórdia divina, superando tudo aquilo que os homens consideram como justiça. No Reino de Deus não há lugar para o ciúme, a inveja, a arrogância, a prepotência, a soberba. Aqueles e aquelas que julgam possuir mais méritos do que os outros são convidados a aprender que o Reino é dom gratuito de Deus a todos e todas.

“Assim, os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos”. (Mt 20,16) Para fazer parte do Reino é preciso mais do que a observância de leis, regras, preceitos, dogmas. O Reino é dom gratuito de Deus às pessoas, e nele tudo deve ser partilhado entre todos. Isso significa repartir as riquezas em vista de uma igualdade, superando a desigualdade de uma sociedade classista, que favorece os grandes e poderosos e excluindo os pequenos e marginalizados. Este é o nosso desafio para os que desejamos entrar na dinâmica do Reino. Por mais que os tempos sejam difíceis, somos chamados a construir este Reino entre nós. Mesmo na noite escura em que vivemos, não podemos desanimar e achar que não há saídas como neste poema de Drummond: “E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José? e agora, você? Você que é sem nome, que zomba dos outros, você que faz versos, que ama, protesta? e agora, José? O Reino está aí como dádiva de Deus. Vamos vivê-lo na integralidade que nos é proposta. O Reino aqui e agora!