Domingo da Ascensão do Senhor. Maio se foi e junho tomou o seu lugar, iniciando com uma solenidade importante para a cristandade. Sim, porque a Ascensão é uma solenidade litúrgica, comum em todas as Igrejas cristãs, celebrada quarenta dias após a Páscoa da Ressurreição. Por esta data cair numa quinta feira, ela foi transferida em muitos países para o domingo seguinte, como aqui no Brasil. Com esta solenidade, conclui-se assim a vida terrena, física material do “Jesus histórico”, dando início a vida eclesial. Na Ascensão acontece teologicamente a exaltação da natureza humana, a vitória humana sobre o pecado e a morte pela vida de Jesus. Como o texto bíblico mesmo nos diz, “Jesus foi elevado, à vista deles, e uma nuvem ocultou aos seus olhos” (At 1,9). Com o mistério da Ascensão, Jesus entrou novamente na glória de Deus Pai com a natureza humana exaltada. Ele voltou ao Pai de onde estava desde sempre com Deus.

A Ascensão é uma verdade de fé. Não se trata de algo acidental, mas possui um caráter teológico essencial para a compreensão do próprio mistério da Redenção humana. Tudo se dá dentro de um mistério teológico que acontece com o Cristo Ressuscitado sendo glorificado pelo Pai. Durante este processo da “presença” de Jesus em forma de aparições, convivendo com os seus discípulos, Ele vai os instruindo para a Igreja nascente que vai surgir, permanecendo em glória ainda velada. É através deste mistério pascal, que abre as portas dos céus se abrem à humanidade, tendo a sua plenitude na ascensão do Senhor. Ascensão, que é motivo de alegria para os discípulos, pois ali acontece a constatação de que a humanidade finalmente entrou na divindade de Deus no céu. O ser humano que somos transcende e acessa a ancestralidade da divindade de Deus.

A cada ano litúrgico, esta solenidade nos traz um Evangelho diferente. No Ano A, é a vez de Mateus (Mt 28,16-20); no Ano B, temos a contribuição de Marcos (Mc 16,15-20). Como estamos no Ano Litúrgico C, quem nos apresenta este relato é o evangelista Lucas (Lc 24,46-53). Trata-se da parte final conclusiva dos três evangelhos. O clima entre os discípulos é de tristeza, mas também de alegria, afinal as portas do céu se abrem com o retorno de Jesus à casa do Pai. Os três relatos tem um objetivo comum: os discípulos devem dar continuidade à ação de Jesus, fazendo com que todos os povos se tornem discípulos e discípulas d’Ele. De uma maneira geral, pelo batismo, somos chamados a participar de uma nova comunidade, que se compromete a viver de acordo com o que Jesus ensinou: praticar a justiça em favor dos pobres e marginalizados. Em seus relatos, Mateus, Marcos e Lucas, encerram com a promessa já feita no início: Jesus está vivo e sempre presente no meio da comunidade, como o Emanuel, o Deus-conosco. Ele está no meio de nós!

A “força nos vem do alto”. Quem nos garante isto é o próprio Jesus. Sua partida física do meio dos discípulos abre espaço para a chegada da força que vem do alto, o Espírito Santo prometido. Conseguimos entender um pouco melhor desta realidade, com os estudos da Cristologia, definindo claramente a atuação do Jesus histórico em sintonia com o Jesus pós-pascal da fé, o Cristo Ressuscitado. Rezei este mistério teológico nesta manhã, invocando esta força, contemplando a centena de pássaros que povoava o meu quintal na madrugada deste sábado para domingo. Uma legião deles se fez presente, com cada qual entoando sua cantiga de louvor ao Criador. Degustavam alegremente os frutos que preparo para eles, com a ajuda da Mãe natureza. “Tudo está interligado como se fossemos um”. A unicidade de Deus se fazendo em suas criaturas.

A Ascensão nos faz contemplar os mistérios de Deus e de saber que Ele é fiel sempre, como fica demonstrado pelas palavras do salmista: “Pois o Senhor é bom e o seu amor leal é eterno; a sua fidelidade permanece por todas as gerações”. (Sl 100,5) A bondade de Deus se confirma no fato de que Ele se alia ao povo, mantendo para sempre o seu amor fiel. Desta forma, Ascensão não se tata de uma fantasia, criada pela inteligência humana, mas um mistério insondável de Deus. Através desta solenidade, Deus cumpre o que havia prometido: o Filho viria, passaria por toda a realidade humana, mas ascenderia ao céu para que assim a humanidade toda fosse contemplada com a sua chegada ao céu: “O Cristo sofrerá e ressuscitará dos mortos ao terceiro dia e no seu nome, serão anunciados a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações, começando por Jerusalém”. (Lc 24,46-47)

Tudo isso acontece porque Deus desce da cruz o seu Filho injustamente crucificado como um malfeitor, dando a Ele a vida, razão de ser da fé cristã. A Ressurreição não é fruto da imaginação dos discípulos e daqueles que creem em Jesus, nem se reduz a um fenômeno puramente espiritual de ascese (aperfeiçoamento espiritual). A Ressurreição é um fato que atinge o próprio corpo humano do Verbo encarnado; daí a identidade do Ressuscitado com o Jesus terrestre. Ao testemunharmos a fé no Ressuscitado, estamos assumindo a vida que precisa acontecer em plenitude para todos e todas no aqui e agora. No horizonte desta perspectiva, toda e qualquer ação humana que traz mais vida para os corpos oprimidos, doentes, torturados, famintos, sedentos e marginalizados, não é apenas obra de misericórdia, mas é sinal concreto do fato central da fé cristã: a Ressurreição do próprio Senhor Jesus. Lembrando que a compaixão não é algo meramente religioso, mas deve ser a característica central do ser humano que fomos criados pelo Deus da vida.