Sexta feira da Décima Sétima Semana do Tempo Comum. Agosto vem chegando e já sextando. O dia é 2, mas os povos indígenas da América Latina ainda estão em festa, celebrando seus costumes ancestrais de gratidão à “Pacha Mama”. Pacha quer dizer universo. Mama é Mãe. Pacha não quer dizer apenas “terra”, mas significa o universo como um todo. Não somente o universo físico, ordenado em categorias espaço-temporais. Faz sentido, pois para os povos andinos, tudo está em permanente relação, não havendo separação entre o mundo físico e o mundo cósmico transcendental. A ancestralidade está presente, ocupando o espaço do todo. O Pacha é o ser, o que é, o existente, a realidade, embora o conceito englobe também o invisível transcendental.
Pacha Mama. Os povos dos Andes concebem a ideia de que o universo é um sistema de entes inter-relacionados, dependentes um do outro. Para eles, não existe o ser-em-si-mesmo, ou seres absolutos, tudo está em correspondência. É esta forma de pensar que determina inclusive a organização social destes povos, onde o “nós” ou a ideia de comunidade é indissociável da realidade do entorno. Por isso, a ideia de Pacha Mama é unificadora da concepção de mundo. Povos originários apaixonantes, que fez nosso bispo Pedro compor assim com Milton Nascimento e Pedro Tierra, um dos versos da Missa da Terra Sem Males: “Eu sou América, sou o Povo da Terra, da Terra-sem-males, o Povo dos Andes, o Povo das Selvas, o Povo dos Pampas, o Povo do Mar…”
“América Ameríndia, ainda na Paixão: um dia tua Morte terá Ressurreição!” Ressurreição que todos buscamos na companhia de Jesus, que nos garantiu um dia alcançar. Mas para lá chegar, muito chão teremos que caminhar. A estrada do calvário está aberta no chão de nossa história, superando obstáculos e desafios mil. O projeto de vida na Ressurreição passa necessariamente pela cruz da redenção de cada dia. Fazer um com Jesus, estando ao lado dos que são os destinatários primeiros do projeto libertador de d’Ele: os pobres e desvalidos. Abraçar a cruz com Jesus é abraçar as mesmas causas d’Ele, dando a vida se preciso for e ter o cuidado de não fazer aquilo que esta sendo denunciado diuturnamente pelo profeta, padre Júlio Lancellotti: “em vez de lutarem contra a pobreza, lutam contra o pobre”.
Profetas de ontem. Profetas de hoje. Hoje a liturgia nos convida meditar sobre o profetismo e a atuação do profeta que não é bem recebido entre os seus. Jesus está de volta a Nazaré, sua terra. Ensinando na sinagoga, como de costume. Diante deste seu ensinamento, com autoridade e sabedoria, seus conterrâneos ficam admirados se preguntando: “De onde lhe vem essa sabedoria e esses milagres?” (Mt 13, 54) Na verdade, seus compatriotas, colocam em cheque a origem da autoridade de dele, admirados com o conhecimento e poderes milagrosos. Para eles, era impossível que Jesus, sendo um deles, tivesse a autoridade de Deus. Por isso, eles o rejeitam. Todavia, esta rejeição não é acidental, mas uma prova de que Ele é o Messias enviado de Deus.
“Não é ele o filho do carpinteiro? Sua mãe não se chama Maria?” (Mt 13,55) Os próprios moradores de Nazaré, se escandalizam, não admitindo que alguém como eles, do meio deles, pudesse ter sabedoria superior à dos doutores da Lei, dos escribas, dos fariseus, dos sumos sacerdotes. É a velha história do pobre que não acredita no outro pobre, com ele ali do lado. Preferem depositar suas esperanças nas autoridades religiosas, que viram frequentemente as costas para a realidade dos empobrecidos. Além do mais, o grande problema dos conterrâneos de Jesus, é que eles duvidam da Encarnação do Verbo, um Deus feito homem, que vem fazer-se presente no contexto social que eles estão vivendo, se fazendo um deles com eles.
“Um profeta só não é estimado em sua própria pátria e em sua família!” (Mt 13,57) Foi assim com Jesus, como o foram também com todos os profetas do Antigo Testamento: rejeitados pelos próprios seus. É impossível que aquele Nazareno, sendo um deles, tenha a autoridade de Deus e faça as coisas em nome d’Ele. Autoridade que vem de Deus. Por isso, eles o rejeitam, dando mostras de sua falta de fé. Tanto que diante desta medíocre fé deles, Jesus não realiza ali nenhum sinal (milagre). O Mestre rejeitado lá. Jesus rejeitado cá. Nós também fazemos a mesma coisa, quando não acreditamos naquelas pessoas que caminham lado a lado conosco na mesma estrada da vida. Preferimos acreditar naqueles que vem de fora, ou que estão rodeados de poder. Pobres com cabeça de rico. Bem fazem os povos indígenas que, embora sendo clânicos, quando o objetivo é comum, todos se unem em torno da mesma causa, pintados para a guerra. “Onde está o teu irmão, eu estou presente nele”.
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