24º Domingo do Tempo Comum. O Tempo Litúrgico é Comum, mas a Igreja Celebra neste domingo, a Festa da “Exaltação da Santa Cruz”. Segundo a tradição católica, Santa Helena, mãe do imperador romano Constantino, encontra o madeiro da Cruz de Jesus, em Jerusalém, no século IV. Esta festa inicialmente era celebrada no dia 3 de maio, entretanto, com a reforma do calendário litúrgico, ocorrida depois do Concílio Vaticano II (1962-1965), a celebração da Santa Cruz passou para o dia 14 de setembro, quando então, fazemos a memória da “Exaltação da Santa Cruz”, pois foi nesta data, no ano de 335, que foi consagrada a Basílica do Santo Sepulcro, em Jerusalém. Portanto, na reforma litúrgica após o referido Concílio, as duas festas, a do dia 03 de maio e a do 14 de setembro foram unificadas numa única Celebração.

“Deus, para redimir os homens, se fez homem e morreu na cruz.” Foi com esta citação que o Papa Leão XIV, iniciou o Angelus, que é uma oração mariana tradicional rezada em horários específicos do dia, geralmente aos domingos, da janela do Palácio Apostólico sobre a Praça de São Pedro no Vaticano, onde os fiéis se reúnem para ouvi-lo recitar a oração, fazer um breve discurso e dar a bênção. Na sua reflexão o pontífice ressaltou que “Deus nos salvou abraçando a cruz e oferecendo-se como mestre e amigo”. Parece contraditório, enaltecer um instrumento de castigo, justamente para um inocente, como foi o caso de Jesus, e fazer deste instrumento uma das fontes principais de libertação de todos aqueles que creem na vinda do Messias para salvar a humanidade.

O filósofo e escritor romano Cícero (106 a.C.-43 a.C.), considerava a crucificação a punição “mais cruel e aterrorizante” que poderia existir. Era um dos maiores castigos infringidos, principalmente às pessoas mais pobres. Tal pena era reservada para criminosos de classes sociais baixas, escravos e estrangeiros, como era o caso de Jesus. Entretanto, os cidadãos romanos, eram isentos dessa punição cruel e podiam ser decapitados em vez de crucificados. Dentre os crimes que levavam à crucificação incluíam rebelião, traição, pirataria, banditismo e qualquer ação que representasse uma ameaça ao poder vigente do Império Romano. No caso de Jesus, a acusação de se autoproclamar “Rei dos Judeus” foi interpretada pelos romanos como uma rebelião, insurreição.

É sabido de todos que, no tempo de Jesus, quem dominava o cenário politico, econômico e até religioso, eram os romanos. A crucificação era uma das formas do Império Romano aterrorizar a população e desencorajar qualquer forma de organização popular, contra as atrocidades cometidas pelo império. Tanto que as execuções eram realizadas em locais públicos, para que todos vissem e não se atrevessem, pois poderiam estar ali no lugar dos crucificados. Era uma advertência feita, para que o povo visse, até onde ia o poder do império romano. O sofrimento era extremo. O crucificado, após ser brutalmente açoitado, era obrigado ainda a carregar a barra transversal da cruz até o local da execução. Lá, era despojado de suas roupas e pregado ou amarrado na madeira. A exibição pública do corpo tinha o objetivo claro de desmoralizar e servir de espetáculo de terror.

Jesus passa pela experiência dolorosa da cruz como um malfeitor subversivo. Uma morte lenta e humilhante, diante dos olhares de todos. E aqui não se trata de uma “predestinação”, afirmada por uma concepção equivocada da fé, defendida ao longo da história do cristianismo, como se Deus quisesse que Jesus morresse pendurado numa cruz. A cruz entra no itinerário messiânico de Jesus como consequência de sua fidelidade e compromisso até o fim com o projeto libertador de Deus, que Ele veio viver e anunciar. Aquilo que Paulo definiu de forma cristológica em uma de suas cartas: “Jesus Cristo, existindo em condição divina, não fez do ser igual a Deus uma usurpação, mas ele esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e tornando-se igual aos homens. Encontrado com aspecto humano, humilhou-se a si mesmo, fazendo-se obediente até a morte, e morte de cruz”. (Fl 2,6-8) Jesus que abre mão de qualquer privilégio, tornando-se apenas homem que obedece a Deus e serve as pessoas.

Em Jesus, Deus tem uma grande novidade para a humanidade. Jesus revela na cruz a vida nova. A morte não detém a última palavra, mas a vida! O maior ato de amor: a doação de sua própria vida em favor de todos. A cruz se faz presente também no itinerário de todo aquele e aquela que fazem a sua adesão pelo seguimento, como testemunha fiel de Jesus de Nazaré. É a mística libertadora da cruz, de quem luta pela construção do Reino no aqui e agora de nossa história. Fazer adesão pela cruz de Jesus é colocar a nossa vida a serviço das causas do Reino, ajudando a descer das suas cruzes, os crucificados da história. Há varias formas de crucificação no nosso horizonte histórico de hoje. Nosso bispo Pedro, tinha muito clara esta visão, quando nos dizia: “se não estivermos dispostos a descer da cruz os crucificados, não estaremos sendo testemunhas fieis do crucificado/ressuscitado Jesus de Nazaré”. Fazer opção por Jesus é ser “evangélico”, na verdadeira acepção da palavra: “pelos pobres e com os pobres, contra a pobreza para fazer descer da cruz todos os crucificados do mundo”. (Marcelo Barros – Monge Beneditino)