Sexta feira da vigésima quinta semana do tempo comum.

Francisco (Chico) Machado. Missionário e escritor.

Sextou mais uma vez em setembro, desta vez sob o comando da primavera. Depois de uma noite chuvosa aqui pelas bandas do Araguaia, o dia amanheceu com uma temperatura pra lá de agradável. O sol não se atreveu a romper as densas nuvens desta manhã. Nada melhor para a estação das flores, ver a natureza sendo regada pelas águas que caem do céu. Deus se fazendo chuva, irrigando a criação. O mistério das primeiras chuvas sendo desvendado, pois, mesmo que aguemos por longo período as nossas plantas, não tem a mesma eficácia que a água vinda do céu.

Mesmo com a chuva a cair, nada que intimidasse as centenas de papagaios que me fizeram companhia neste amanhecer. Cada um deles tagarelando mais a vontade. Acompanhados sim pelos seus infantes filhotes. A plumagem sendo regada pelos pingos da chuva, degustando já as primeiras mangas. Alguns de nós pressentimos a chuva, mas estes meus alegres anfitriões, contentam-se em molhar-se. Como bem diz o dito popular: “Quem entra na chuva é para se molhar”. Impossível não se lembrar da canção que muito cantamos lá atrás: “Para mim a chuva no telhado. É cantiga de ninar. Mas o pobre meu irmão. Para ele a chuva fria. Vai entrando em seu barraco. E faz lama pelo chão”. https://www.youtube.com/watch?v=0FKNtDPOBN0

Uma manhã que foi um convite à oração. Oração não como fuga da realidade, mas como um compromisso com as causas de Jesus. Oração como forma de libertação e não como pressuposto para a alienação. Rezar dialogando com Deus e com a realidade que se apresenta à nossa frente. Rezar através de uma espiritualidade que move à ação e não como um espiritualismo desencarnado, vazio de sentido e de compromisso com as causas sociais e a necessidade de transformação da realidade. Uma realidade por si só, marcada por uma dimensão de pobreza estruturada na injustiça e na desigualdade sociais. Quem reza assim entra em sintonia com o Projeto de Deus revelado por Jesus de Nazaré, e vê esta realidade como algo não desejado por Deus.

Jesus, um homem de profunda oração, como nos mostra o texto do evangelista Lucas, que a liturgia desta sexta feira nos traz: “Jesus estava rezando num lugar retirado, e os discípulos estavam com ele”. (Lc 9,18) Jesus que encontra momentos na sua agitada vida pública para estar a sós com Deus, mantendo assim uma sintonia fina e perfeita com o Pai. Ele não ensinava apenas a rezar, mas fazia acontecer seus momentos de oração à vista de seus seguidores. Oração que é também o alimento que nos faz mais fortes, ajudando assim a vencer os obstáculos da vida. Quem reza de maneira honesta e sincera sente em si a presença viva de Deus, que vai transformando o nosso interior, nos fazendo mais acessíveis ao sonho de Deus para nós.

Oração que se faz na ação. Oração que se faz para a ação. A oração tem o poder de nos transformar por inteiro. Fazer-nos mais humanos, amorosos e plenos da ternura e da misericórdia de Deus. Quando a oração se dá neste clima, Deus vai agindo em nós e nos fazendo novas criaturas na sua amorosidade. A oração não se dá na magicidade do encantador de sonhos, mas na praticidade de um Deus que é tudo em todos (1 Cor 15,28) e faz a transformação necessária, para que possamos ser também pessoas que trilham os mesmos caminhos de Jesus. Como diria o grande escritor português Eça de Queiroz (1845-1900): “Quem não conhece o poder da oração, é porque não viveu as amarguras da vida!”

A oração tem poder! Ela é transformação e deve ser libertadora. Rezar faz parte intrínseca da vida do cristão que segue a Jesus mais de perto. Todavia, a indagação maior que nos fazemos no dia hoje, é quanto à aceitação de Jesus. Muito já se insistiu de que devemos aceitar Jesus. Entretanto, não basta apenas declarar e aceitar que Jesus é o Messias. Mais urgente que isto é rever a ideia que temos a respeito do Jesus Messias, o qual, para construir a nova história, teve que enfrentar todos aqueles que não queriam e nem querem ainda hoje as transformações. “Quem sou eu para você?” Quando rezamos de maneira coerente, lúcida e sincera, vamos também respondendo esta pergunta para nós mesmos, e nos integrando no caminho da messianidade de Jesus. Ele que é “caminho, verdade e vida!”. (Jo 14,6) O Ressuscitado que vive no meio de nós. Aceitar Jesus é estarmos prontos para fazer no hoje da história a mesma pedagogia transformadora d’Ele, sem medo de sermos felizes!