Sexta feira da Quinta Semana da Páscoa. O tempo é presente e está aqui para ser vivido na sua integralidade maior. O ontem se foi, e o amanhã ainda aponta no nosso campo visual de esperança. Viver o aqui e agora é o nosso maio objetivo, pisando no chão da história, sem nos esquecermos de que não estamos sozinhos neste mundo. Presente conosco está o Deus que nos criou, e a mão de todos aqueles e aquelas que andam nesta mesma estrada e direção conosco. A estrada é longa, mas se torna mais alegre e festiva, se nos abrirmos aos que estão ao nosso lado. Nestas horas, é sempre bom lembrar daquilo que Moisés nos advertiu lá pelos idos de 1.400 anos a.C., no Livro do Deuteronômio: “Saiba, portanto, que Javé seu Deus é o único Deus, o Deus fiel, que mantém a aliança e o amor por mil gerações, em favor dos que o amam e observam seus mandamentos”. (Dt 7,9)
A sexta feira nos aponta para mais um final de semana que vem se fazendo presente em nosso calendário litúrgico pascal. Devagar, Pentecostes vem chegando até nós, entretanto, estamos nos preparando para nos lembrarmos de outro Pentecostes já acontecido. Sim, no dia de Pentecostes de 2015, no dia 24 de maio, nosso já saudoso Papa Francisco, assinava o texto da sua Encíclica “Laudato Si”. A Carta Encíclica “Laudato Si” (Louvado Seja, em português) foi lançada em 24 de maio de 2015, sendo distribuída mundialmente no mês seguinte, criando uma enorme repercussão, por si tratar dos desafios ecológicos de nosso tempo. O cuidado com a “Casa Comum” é o tema central deste importante documento, mesmo que, muitos de nós, não o tenham lido, mas com suas línguas afiadas, tecem comentários estapafúrdios, afirmando não ser esta a missão da Igreja. Fazer o que?
Embora não tenha ido rezar na presença do profeta do Araguaia, acordei nesta manhã pensando nele, trazendo na memória um de seus escritos, em que ele descreve poeticamente o tempo: “Falemos do Tempo, irmão antes que tenha ido o que pôde ser humano. Antes que seja em vão chorar um dia perdido, um sulco sem novo grão, um canto sem nosso ouvido, um remo sem nossa mão”. (Pedro Casaldáliga – “O tempo e a espera”) Tempo em que estamos sendo desafiados a amar como Jesus amou: “Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei”. (Jo 15,12) Aprender a amar, para amar de verdade. Amar os amigos e também os inimigos, o que não significa que devemos concordar com todas as suas formas de desamor, suas mentiras, seu ódio contumaz e de sua intransigência preconceituosa.
“Ninguém tem amor maior do que aquele que dá sua vida pelos amigos”. (Jo 15,13) O amor não se mede através das palavras ditas, mas na sua forma vivida concretamente. Amar a Deus é amar o irmão! Amar a um Deus que a gente não vê é fácil; difícil é amar este mesmo Deus a gente não vê, mas que está presente na vida e na pessoa do outro, sobretudo daquele pobre, doente, excluído e marginalizado. Ir à igreja e adorar o Deus ali “presente”, entre as paredes do templo, requer sair dali e estar disposto a sentir a presença deste mesmo Deus na pessoa dos desclassificados. Sobre isto, São João Crisóstomo bem nos alertou: “Se não conseguirdes encontrar Cristo no mendigo na porta da igreja, não o encontrará no cálice”.
Mário de Andrade em uma de suas obras clássicas, “Amar, Verbo Intransitivo”, publicada em 1927, bem que nos ajudou a entender os caminhos por onde este amor deve transitar. Lembrando que na nossa clássica Língua Portuguesa, os Verbos Intransitivos são aqueles que não necessitam de complemento porque têm sentido completo. Assim, o amor já diz por si mesmo, quem ele é, na sua completude essencial de nosso existir humano. Quem ama, ama sem necessidade de explicar esta sua forma livre de amar sem medida. Como Deus, este amor precisa ser incondicional, gratuito em sua totalidade. Nesta forma intransitiva de amar, São Paulo, em uma de suas cartas, numa das mais belas páginas do Novo Testamento, definiu assim a nossa forma de amar: O amor é paciente, o amor é prestativo; não é invejoso, não se ostenta, não se incha de orgulho. Nada faz de inconveniente, não procura seu próprio interesse, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se regozija com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”. (1 Cor 13,4-7)
O amor está na essência do nosso ser. Fomos criados a Imagem e semelhança de um Deus que é amor. Sem a presença deste amor em nós, não somos nada e nem ninguém, pois deixamos perder a essência deste amor criacional de Deus em nossa vida. Amar-nos uns aos outros. Este é que deve ser o nosso projeto de vida, sendo ou não cristãos. Quando perdemos esta raiz do amor, a vida também perde o sentido de ser neste mundo, pois já estaremos desumanizados e descaracterizados. Podemos até não dizer que amamos, mas devemos, do mesmo modo, mostrar este amor pelo nosso jeito de ser, agir e pensar, através das ações de amorosidade que somos capazes de construir entre nós, nesta vida que levamos. Amar-nos uns aos outros é experimentar e vivenciar este amor fraterno, glorificando o Pai, presente na vida de Jesus, produzindo os frutos provenientes desta relação de amorosidade.
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