Terça feira da 33ª Semana do Tempo Comum. Estamos a um passo de terminar este Ano Litúrgico C, sendo alimentados na nossa fé, com a grande contribuição do evangelista São Lucas. Uma madrugada chuvosa, com direito a relâmpagos e trovões aqui pelo Araguaia. A energia se foi ainda na madrugada, o que me obriga a rabiscar aqui pelo celular. Tempos modernos. Se fosse no tempo de nosso bispo Pedro, era a maquininha de escrever, que entraria em ação. Bons tempos aqueles. Naquele tempo, que não tínhamos ainda o computador, era comum chegarmos em sua casa e vê-lo escrevendo os textos na sua amiga e companheira máquina de escrever.
Como estamos a caminho do Dia da Consciência Negra (20), o dia de hoje é importante, pois nesta data, se comemora o Dia Nacional de Combate ao Racismo. Ela foi instituída para sensibilizar a nossa população sobre o racismo e suas diferentes formas de manifestação. Apesar de ocuparmos a segunda colocação, quando se trata da população negra do mundo, somos um país extremamente racista, de cunho institucional e estrutural. Ainda que, segundo dados do Censo de 2022, a população negra (pretos e pardos) representa a maioria dos brasileiros, totalizando cerca de 112,7 milhões de pessoas (55,5%). Todavia, essa população enfrenta os maiores índices de racismo, desemprego e desigualdades sociais. Isto porque, o racismo é crime no Brasil, definido como inafiançável e imprescritível pela Constituição Federal, no seu Art. 5º, XLII.
Ainda no clima do IX Dia Mundial dos Pobres, que celebramos neste domingo que passou, o texto da liturgia de hoje, segue nos possibilitando refletir sobre a realidade da pobreza e do empobrecimento de grande parte de nosso povo. Ressoa em nossos ouvidos o tema proposto para a reflexão deste ano: “Tu és a minha esperança”. Jesus é a esperança dos pobres e, todos aqueles que quiserem afazer o seu seguimento, precisam estar atentos, a ter os pobres como destinatários primeiros de nossa evangelização. O texto de Lucas de hoje nos ajuda neste sentido, quando ouvimos Zaqueu dizer para Jesus: “Senhor, eu dou a metade dos meus bens aos pobres, e se defraudei alguém, vou devolver quatro vezes mais”. (Lc 19,8)
Zaqueu era um judeu chefe dos publicanos (cobrador de impostos). Muito rico, mas odiado por seu povo por trabalhar para o Império Romano. Ele “desejava conhecer Jesus de perto” e, em decorrência de sua baixa estatura física, sobe numa árvore. Tudo que um homem de sua classe social daquela época, jamais faria. Conhecer Jesus de perto é estar preparado para uma conversão radical no modo de ser, agir e pensar. Jesus se surpreende com a atitude daquele homem, e se oferece para estar em sua casa com ele, recebendo a crítica feroz dos que ali se encontravam: “Ele foi hospedar-se na casa de um pecador!” (Lc 19,7) A conversão de Zaqueu inicia-se com o desejo de conhecer Jesus de perto e se concretiza quando se dispõe a partilhar seus bens e devolver com juros o que roubou.
“Hoje a salvação entrou nesta casa”. (Lc 19,9) Partilhar é a palavra-chave de quem se coloca na mesma estrada com Jesus. A sociedade proposta por Jesus não é a da acumulação de uns poucos, em detrimento da desigualdade que esta acumulação acarreta na vida dos pequenos. Se o Pai é nosso, o pão também é nosso. Isto fica muito evidente na mesa da partilha da Eucaristia: Jesus que se faz Pão para todos e todas. Comungar este Jesus sem a prática imediata da partilha é comungar indignamente do Pão que é Jesus. Quem não partilha não comunga da mesma proposta de Jesus. A partilha é o princípio fundamental do cristianismo. Partilha esta que, impulsionada pelo gesto concreto de amor visa o bem-estar todos e todas, tendo Jesus como exemplo, uma característica essencial da vida em comunidade, tendo como referência as primeiras comunidades cristãs: “Todos os que abraçaram a fé eram unidos e colocavam em comum todas as coisas; vendiam suas propriedades e seus bens e repartiam o dinheiro entre todos, conforme a necessidade de cada um”. (At 2,44-45)
Vivemos numa sociedade onde predomina a estupidez da ganância, do consumo exagerado e da divisão exacerbada de classes sociais. Esta forma de estruturação da sociedade é uma afronta ao Evangelho e a Doutrina Social da Igreja (DSI), pois a desigualdade social é um grande desafio e um problema grave que deve ser combatido por todos os que fazem a sua adesão a Jesus. A Igreja não vê esta desigualdade como um estado natural ou aceitável, mas como uma afronta à dignidade da pessoa humana, e um obstáculo ao bem comum. Pelo visto, alguns de nossa Igreja precisam “conhecer Jesus de perto”, e passar por um processo profundo e radical de conversão, para daí fazer a sua opção pelos mais pobres de nossa sociedade. Com vistas a esta conversão, serve-nos de base o texto de Mateus: “Eu estava com fome, e vocês me deram de comer; eu estava com sede, e me deram de beber; eu era estrangeiro, e me receberam em sua casa; eu estava sem roupa, e me vestiram; eu estava doente, e cuidaram de mim; eu estava na prisão, e vocês foram me visitar”. (Mt 25,35-36)


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