Quarto Domingo da Quaresma.

Francisco (Chico) Machado. Missionário e escritor.

O tempo é quaresmal, mas o Domingo é da Alegria, da Luz. A Luz divina. Seguimos na nossa “travessia” rumo à Festa da vida. Ao contrário do que podemos pensar, não estamos indo em direção à morte, mas à vida. Lá nos encontraremos com a Pessoa do Ressuscitado, o Cristo Vivo, fazendo-nos também renascermos para a vida plena. A travessia é longa, os obstáculos e desafios também, mas a nossa força está na caminhada que juntos fazemos, irmanados e interligados. Unidos venceremos! Como dizia o escritor da Grécia Antiga Esopo: “Unidos venceremos. Divididos, cairemos”.

Mais uma vez não pude cumprir o meu propósito de rezar com Pedro no lugar sagrado em que está sepulto seu franzino corpo. São José fez jus à tradição, caindo uma chuvinha mansa e intermitente por aqui. Frio atípico em pleno verão. Diante deste contexto, lembro-me do amigo do Sertão Deodato que dizia: “se chover em São José, teremos água e fartura o ano todo”. Quem também iria gostar desta situação era a nossa Tia Irene, Irmã Irene Franceschini (1919-2008). Devota de São José que era, fez-me conhecer mais e melhor a figura deste grande homem de Deus. Tia Irene que, junto com Pedro, levaram a sério o que disse Isaías: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu. Ele me enviou para dar a boa notícia aos pobres, para curar os corações feridos, para proclamar a libertação dos escravos e pôr em liberdade os prisioneiros”. (Is 61,1) São José da Tia Irene, Presente!

Seguimos nós lendo e refletindo o Quarto Evangelho. Neste Quarto Domingo, a liturgia nos reservou um capítulo inteiro de São João (Jo 9,1-41). Jesus curando um “cego de nascença. Um homem sem saber o que era a luz do dia: pobre (mendigo), cego e “morador de rua”. Um homem lascado para aquela sociedade opressora do tempo de Jesus. Lá também os pobres não tinham vez e nem voz. Na concepção da época, era como se aquele pobre homem estivesse pagando pelo pecado de seus antecessores. Inclusive os discípulos de Jesus endossavam esta triste concepção: “Mestre, quem pecou para que nascesse cego: ele ou os seus pais?” (Jo 9,2)

“O Triste fim de Policarpo Quaresma”, diria o escritor pré-modernista Lima Barreto (1881-1922). Não tão triste assim para o pobre homem, com a sua cegueira de nascença. Ele viu a luz da vida. Ele viu a Vida diante dele e acreditou. Ele viu, enxergou e acreditou. Diferentemente de alguns dos nossos que ainda seguem com as suas cegueiras contumazes. Vêem, mas não enxergam. Ver é diferente de enxergar. Os que marginalizam, discriminam e tratam com indiferença os pobres na figura daquele cego de nascença, são mais cegos que ele em si. Os fariseus do tempo de Jesus eram especialistas na arte de menosprezar, explorar e oprimir os pobres. Todavia, infelizmente, estes fariseus fizeram discípulos seus muitos dos que convivem conosco hoje no nosso dia a dia.

 

Jesus que se dá a ver, e se revela como o Messias enviado, àquele homem que anteriormente nem sequer conhecia a luz do dia: “Tu o estás vendo; é aquele que está falando contigo.” (Jo 9,38) Ele viu/enxergou e acreditou. O texto do Evangelho de hoje nos quer fazer entender que há uma forte simbologia na pessoa deste “mendigo cego de nascença”. Na pessoa deste homem está simbolizada a figura do povo que nunca conseguiu enxergar e tomar consciência de sua própria condição de oprimido, e por este motivo, vê, mas não consegue enxergar a verdadeira condição humana, que foge por completo do objetivo para o qual Deus nos criou. Assim, a missão de Jesus, e dos que nele acreditamos e o tentamos seguí-lo, é mostrar essa possibilidade, a partir de uma prática concreta, mais do que com palavras ditas cheias de “boas intenções”, mas distantes da prática de Jesus. Sejamos nós como o pobre homem “cego de nascença” e digamos com a nossa vida: “Eu creio, Senhor! E prostrou-se diante de Jesus. (Jo 9,38)