Décimo Quinto Domingo do Tempo Comum. Uma manhã fria para os padrões aqui do Araguaia. Porém, para os visitantes turistas, que vieram desfrutar de nossa temporada de praia, é verão. Encontrei-me com vários deles, retornando do show, que aconteceu nesta noite passada na praia. Uma juventude alegre e festiva, sem medo de ser feliz! Como é boa a energia desta idade! Diante tanto entusiasmo, recordei-me do conselho dado à juventude, pelo filosofo ateniense do período clássico da Grécia Antiga Sócrates: “O que deve caracterizar a juventude é a modéstia, o pudor, o amor, a moderação, a dedicação, a diligência, a justiça, a educação. São estas as virtudes que devem formar o seu caráter”. Creio que poucos deles ouviriam este conselho deste filosofo considerado um dos pilares da filosofia ocidental.
Como sou discípulo da proposta do CEBI (Centro de Estudos Bíblicos), utilizei de sua interessante metodologia de leitura e interpretação da Bíblia, que busca aprofundar a fé e a espiritualidade através da conexão com a realidade social e da valorização da vida. Acordei ainda muito cedo nesta manhã de domingo, me fiz orante, num cais vazio de pessoas, mas pleno de um bando de aves misturadas, que tagarelavam alegremente nas árvores. Um cenário propenso à oração, de quem não se cansa de contemplar a Mãe Natureza, obra da criação de Deus. Introspectivamente, veio-me à mente, um versículo de Paulo de que gosto: “vocês foram salvos pela graça, por meio da fé; e isso não vem de vocês, mas é dom de Deus. Isso não vem das obras, para que ninguém se encha de orgulho”. (Ef 2,8-9) É o amor que gera doação e comunhão, através das obras que continuam a ação de Jesus, realizando no aqui e agora, o projeto de Deus.
Orgulho que sobrou na postura de um teólogo que chega até Jesus com as intenções mais maliciosas possíveis, como podemos ver no texto do Evangelho de Lucas, preparado pela liturgia para este 5º Domingo Comum. “Um mestre da Lei se levantou e, querendo pôr Jesus em dificuldade, perguntou: Mestre, que devo fazer para receber em herança a vida eterna?” (Lc 10,25) Lembrando que no tempo de Jesus, os mestres da Lei, também conhecidos como escribas ou doutores da Lei, eram teólogos estudiosos e intérpretes da Lei de Moisés. Eram eles os responsáveis por ensinar, explicar e aplicar a Lei, tanto em contextos religiosos, quanto legais, atuando sempre como conselheiros e juízes. Dedicavam suas vidas ao estudo e interpretação das Escrituras hebraicas, ensinando nas sinagogas. Muitos destes mestres, pertenciam ao grupo dos fariseus, um dos principais movimentos religiosos judaicos da época, que se opunham a Jesus.
Estrategicamente, Jesus age de forma pedagógica e não lhe responde de imediato a indagação daquela liderança religiosa, permitindo que ela mesma chegasse, com as suas próprias palavras, à resposta que procurava obter do Mestre Jesus. Foi então que Jesus, fazendo uso de uma linguagem metafórica, conta-lhe a parábola do “Bom Samaritano”. Uma das passagens mais conhecidas de todos nós, do Novo Testamento. Sinteticamente, um homem, vítima de assaltantes, caído à beira da estrada, sendo “visitado” por três personagens distintos: um levita, um sacerdote e um samaritano. Cada um dos três, com as suas atitudes, diante daquele homem caído. Entretanto, Jesus ressalta apenas os gestos concretos de um deles, naquele contexto dramático: o samaritano.
Contextualizadamente, os levitas eram membros da tribo de Levi, uma das doze tribos de Israel, escolhidos por Deus, para servir no Tabernáculo e, posteriormente, no Templo de Jerusalém. Eles desempenhavam funções religiosas e administrativas, incluindo cuidar do templo, ajudar nos sacrifícios, ensinar a Lei e manter a ordem, algo semelhante aos sacerdotes, sendo que estes últimos eram os líderes religiosos do judaísmo, com o sumo sacerdote no topo da hierarquia, fazendo parte, inclusive, do Sinédrio, o grande conselho judaico. Tanto o levita, quanto o sacerdote que passaram por ali, ignoraram e agiram com indiferença diante do homem caído.
Apenas o samaritano agiu com empatia e solidariedade, demonstrando a sua misericórdia e amorosidade, que Jesus tanto pede aos seus seguidores. Justamente um samaritano que era rejeitado pelos judeus, principalmente devido às diferenças religiosas e étnicas, que geraram uma profunda hostilidade entre eles. Esta rejeição era tão forte que os judeus evitavam qualquer tipo de contato com os samaritanos, chegando, inclusive, a considerar os samaritanos impuros e seres inferiores. Desta forma, judeus e samaritanos mantinham uma relação tensa, com os judeus frequentemente evitando a região de Samaria, devido a estas diferenças religiosas e culturais. É este samaritano que reconhece ser próximo daquele que necessitava de cuidados. Jesus força o mestre da Lei a reconhecer que um samaritano, foi quem mais demonstrou ser próximo, conforme determina a Lei que está escrita na Torá.
Próximo, próximo! O texto de hoje nos ensina que não basta ser “servidor do Templo”, praticantes de orações, devoções, adorações, rezas de terço, próprias de uma religião intimista e individualista: eu e Deus. Com sua pedagogia libertadora, Jesus nos ensina que devemos ser próximos do próximo. Quem é o meu próximo? É aquele que me faço próximo dele. E ser próximo dele exige de nós, amorosidade, solidariedade, misericórdia, partilha, doação, serviço, gratuidade. Tudo que um samaritano marginalizado e “desprezível”, numa atitude de abertura de seu coração “deu um tapa na cara” das autoridades religiosas, que se acham perfeitas e mais próximas de Deus, extremamente dedicadas às coisas do Templo, mas longe da proposta de Jesus, no que diz respeito à valorização da vida humana, que necessita de carinho e cuidados.
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