Terça feira da terceira semana da quaresma.

Francisco (Chico) Machado. Missionário e escritor.

E aqui vamos nós, adentrando um pouco mais na dinâmica proposta por este tempo litúrgico, que é a necessidade de desenvolver em nós o espírito de conversão. Se tivéssemos que definir este período litúrgico, poderíamos dizer que é o tempo propício para uma transformação radical de nossas vidas à luz da Palavra de Deus. Mudar o nosso jeito de viver neste mundo, tendo como parâmetro a vida do próprio Jesus no meio de nós. Abraçar a fé no seguimento d’Ele, tornando-nos testemunhais pascais de sua missão de fazer acontecer o Reino entre nós. Como Igreja na caminhada, seguimos anunciando o Reino, como fez questão de dizer nosso bispo Pedro: “A Igreja somente será anúncio do Reino à medida que for denúncia do anti-Reino”.

Uma terça feira especial que nos faz pensar. Comemoramos neste dia 22 de março o Dia Mundial da Água. Data esta que foi criada no ano de 1992 pela Organização das Nações Unidas (ONU), visando à ampliação da discussão sobre esse bem precioso para toda a humanidade. A água é um patrimônio da humanidade e, portanto, não pode ser privatizado. Nenhum de nós vive sem ela. Por este motivo já passou da hora de refletirmos a respeito da importância de preservar os recursos hídricos. Cuidar das fontes de água é fundamental para a nossa sobrevivência e a do planeta. Como costumam dizer os povos indígenas, “os rios são nossos irmãos, saciam a nossa sede, banham os nossos corpos. O murmúrio das águas é a voz de nossos ancestrais. Como posso querer mal aquela que me faz viver?”

A chave que norteia a liturgia desta terça feira é a necessidade de convivermos com o perdão. Perdão como ato pedagógico de todo o nosso existir. Perdão que deve nortear toda a nossa convivência humana em sociedade. Um exercício necessário para estarmos em paz conosco mesmo. A primeira atitude seria a de perdoar a nós mesmos, para que assim, livres de nossos traumas interiores, possamos estar aptos a exercer o perdão diante do outro que comigo convive e também necessita do meu perdão. Perdoar sem manter dentro de nós o ressentimento, o rancor e o ódio. O ato de perdoar é salutar em primeiro lugar para quem exerce o dom de perdoar, libertando o seu próprio interior dos lobos vorazes que por ali possam transitar.

Quantas vezes devo perdoar, se meu irmão pecar contra mim? Até sete vezes? (Mt 18, 21) Estas foram as indagações feitas por Simão Pedro ao próprio Jesus. Ao que o Mestre lhe responde: “Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete”. (Mt 18, 22) O número em si não é importante, pois é meramente simbólico. Na realidade, segundo a lógica de Jesus, o perdão não é assunto de matemática, nem de regras ou leis, mas de atitude, de comportamento, de comprometimento. Comprometer-se com o ato de perdoar sempre, sem limite, infinitamente. Se o espírito de perdão move o coração, uma pessoa estará tão disposta a perdoar sem arrependimento, quantas vezes forem necessárias, pois não é o ato que vale em si, mas o espírito que o motiva. Como o próprio salmista assim nos ensina: “Senhor, se levas em conta as culpas, quem poderá resistir? Mas de ti vem o perdão, e assim infundes respeito”. (Sl 130,3-4)

Na comunidade de Jesus não existe limites para o perdão. Nem sempre entendemos desta forma a pedagogia e a regra condicionante do perdão instituída por Deus, através da pessoa de Jesus. Aliás, temos grande dificuldade ainda de perdoar as pessoas, por mais que rezemos diuturnamente a oração do Pai Nosso e nela está lá de forma explícita: “Perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”. (Mt 6,12) Somente um coração humilde, acolhedor e cheio de amorosidade é capaz de perdoar sem limites. Humildade que se difere da ingenuidade. Não podemos ser ingênuos nas nossas relações. O amor e o perdão requerem compromisso de libertação. A melhor forma de perdoar o opressor é fazer com que nunca mais oprima. É tirar de suas mãos as armas opressoras.

Infelizmente no caminhar histórico da Igreja, ela nem sempre soube interpretar adequadamente esta máxima de Jesus sobre a necessidade urgente do perdão. Em 17 de fevereiro de 1600, por exemplo, ela queimou vivo numa fogueira o padre e teólogo italiano Giordano Bruno (1548-1600) aos 52 anos, acusando-o de heresia, por se negar a refutar a teoria do astrônomo alemão Johannes Kepler (1571–1630), que aperfeiçoou a hipótese de Galileu Galilei de que a Terra girava em torno do Sol. A “Santa Inquisição” fazendo as suas vítimas, ferindo e matando os corpos daqueles que acompanhavam o pensamento cientifico da época. De mente brilhante, Giordano Bruno morreu coerente aos seus estudos entendendo ele que: “O homem não tem limites, e um dia se dará conta disso e será livre, ainda neste mundo”.

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