Quinta feira da quinta semana da quaresma.

Francisco (Chico) Machado. Missionário e escritor.

37º dia de quarenta deles que nos pomos em ritmo de caminhada. O mês de abril vai aos poucos dando as caras e nos levando em direção ao bem maior: Jesus, Páscoa Nova do Ressuscitado. No encontro íntimo e pessoal com Ele, nos fazemos presença na realidade que Deus preparara desde os tempos mais longínquos. Se Abraão é o pai de uma multidão de nações, em Cristo, estreitamos esta relação paternal na pessoa do Filho, que veio fazer morada em nós e por nós, fazendo de cada um de nós, novas criaturas: “Eis que faço novas todas as coisas”. (Apoc 21,5).

Continuamos com a reflexão do Evangelho Joanino. Este evangelista nos apresenta uma estrutura cronológica e teológica muito apropriada, diferenciando substancialmente dos três Evangelhos Sinóticos anteriores (Mateus, Marcos e Lucas). Para João, Jesus é o enviado de Deus, aquele que revela o Pai às pessoas, mostrando que as ama e quer dar-lhes a vida. Neste contexto, o Nazareno revela essa amorosidade de Deus e realiza a vontade do Pai, dando sua própria vida em favor das pessoas. Deus mesmo testemunhou esta sua amorosidade, entregando seu Filho único para que as pessoas tenham a vida. O Verbo se fez carne. A Palavra se fez vida em nossas vidas. “Prova de amor maior não há, que doar a vida pelo irmão”.

https://www.youtube.com/watch?v=YktF4PMim2w

 

Estamos diante de uma “perícope” (Jo 8,51-59) que faz a síntese entre o passado preanunciado e a revelação plena da Nova Aliança, inaugurada na pessoa de Jesus de Nazaré. Lembrando que a palavra “pericope”, nada mais é que um termo grego que significa “cortar ao redor”, usada pelos exegetas para se referir as unidades de sentido curto dos textos bíblicos, que são geralmente maiores e mais abrangentes do que as divisões dos próprios versículos. Jesus que está fazendo uma relação entre a sua palavra e a possibilidade da morte iminente para aqueles e aquelas que não guardarem (aderirem) a esta sua palavra. Mais uma vez os judeus fazem de conta que não entendem, ficando presos ao passado, ligando suas condutas ao patriarca Abraão que viveu por volta de 1800 a. C.

Evidentemente que Jesus é da descendência abraâmica, como está descrito no livro Gênesis: “O seu herdeiro será alguém que vai sair do sangue de você”. (Gn 15,4). Assim, o futuro Messias iria sair da sua descendência. Entretanto, Jesus vai muito mais além, e atribui a si mesmo o título do Deus do êxodo: “Eu Sou”. Um dos nomes que Deus atribuiu a si, e Jesus apropria com autoridade de quem segue a risca a proposta do Pai. A identidade do Filho que mantém a sintonia perfeita com o Pai. Pai e Filho sendo parte de um todo. Pai e Filho que se complementam se fazendo um, como parte de um mistério insondável.

Jesus sendo um com Deus e se manifestando na realidade humana com toda a sua divindade. Eu Sou, que se manifesta em várias outras dimensões da existência humana: “Eu Sou o Pão da vida.” (Jo 6,35, 48, 51); “Eu Sou a Luz do mundo.” (Jo 8,12); “Eu Sou a porta das ovelhas.” (Jo 10,7,9); “Eu Sou o Bom Pastor.” (Jo 10,11, 14); “Eu Sou a Ressurreição e a Vida.” (Jo 11,25); “Eu Sou o Caminho, a Verdade e a Vida.” (Jo 14,6); “Eu Sou a videira verdadeira.” (Jo 15, 1,5). A autoridade de um Filho que se manifesta pela presença amorosa do Pai, que quer estar intrinsecamente presente no Filho e nos seus a quem se deixa revelar.

Jesus vem ser e trazer a novidade maior para a vida humana. Já não se trata mais de cultuar aquilo que ficou distante no passado. Este passado teve a sua razão de ser, mas a partir da Nova Aliança, selada entre Deus e a humanidade, na pessoa do Filho, é a grande novidade a qual devemos abraçar. Jesus não veio “restaurar” nada e nem ninguém. Aliás, esta não me parece ser a palavra adequada, principalmente depois que fora apropriada e desvirtuada pelo movimento neo-pentecostal. Jesus é a novidade em pessoa, vinda do seio maternal de Deus. Adentra a história humana sendo presença divinal de um Deus que deseja ser acolhido pelos corações que se abrem a esta novidade. A Nova Aliança, no e pelo Filho, que quer ser presença nos corações que se renovam, afinal: “Quem me acolhe, acolhe aquele que me enviou” (Mc 9, 37) Por mais que se explique, alguns não querem entender esta realidade nova que Jesus representa em si. “Eu Sou” quer ser também em nós que podemos “Ser” como Ele, que é em nós, uma fonte de vida plena. Será que estamos sabendo “Ser” com Ele? Somos e devemos ser cristológicos com Jesus.