Sábado da 24ª Semana do Tempo Comum. Caso vocês vejam o padre, celebrando em sua comunidade, com a estola vermelha, não se assistem. A cor litúrgica de hoje é vermelha, porque estamos celebrando a Memória dos Mártires Santos André Kim Tae-gon, presbítero, Paulo Chóng Hasang e companheiros, martirizados na Coreia, ocorridos, ao que tudo indica, no ano de 1846. Celebrar o memorial da Eucaristia é celebrar o memorial da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus de Nazaré: “depois de dar graças, o partiu e disse: Isto é o meu corpo que é para vocês; façam isto em memória de mim. Do mesmo modo, após a Ceia, tomou também o cálice, dizendo: Este cálice é da Nova Aliança no meu sangue; todas as vezes que vocês beberem dele, façam isso em memória de mim. Portanto, todas as vezes que vocês comem deste pão e bebem deste cálice, estão anunciando a morte do Senhor, até que Ele venha”. (1Cor 11,24-25)

O cristianismo nasce no berço do martírio. Os primeiros cristãos, ao fazerem a opção pelo seguimento de Jesus, sofreram na própria pele, e derramaram o seu sangue, sentindo as mesmas dores daquele foi considerado um preso politico, torturado e assassinado violentamente entre os “dois poderes”, constituídos por “gente de bem” da época. É neste clima da Memória dos Mártires da Caminhada que somos desafiados a viver a experiência profunda da fé, acolhendo a semente da esperança, do testemunho fiel do martírio e da entrega pelas causas do Reino, seguindo os passos de Jesus na construção de um Reino de justiça e igualdade, partilha e paz, já que a semente da Palavra de Deus foi semeada em nosso coração, embora possamos não acreditar nesta possibilidade de verdade.

A semente possui em si uma dinâmica teológica. Ao nos criar para a esta plenitude da vida, a semente sagrada de Deus, mais do que uma “semente humana”, acolhida no ventre materno de nossa mãe, é um gesto profundamente teológico da manifestação de Deus que, com a sua amorosidade gratuita, faz germinar a vida como dom maior que podemos ter. Eis a dinâmica teológica da semente que, no contexto bíblico, tem um significado ontológico, representado de forma mística transcendental a Palavra de Deus, que, ao ser acolhida, em corações abertos e disponíveis, produz frutos de justiça e vida. E, ao produzirmos estes frutos, nascemos de novo como filhos e filhas do Reino, como discípulos e discípulas do Mestre, assemelhando-nos a Deus. Como foi dito por Paulo, em sua Carta acima citada, a semente também simboliza a Morte e Ressurreição de Jesus, para trazer salvação e vida, aumentando os frutos da justiça.

A existência humana foi pensada, gerada e sonhada pelo sonho de Deus, mantida pela sua Palavra de Libertação (Hb 11,3; 1,3), e o sopro divino que está em suas palavras (Sl 33,6), o mesmo sopro que nos deu a vida plena e diferenciada (Gn 2,7). A palavra do Senhor Deus responde aos nossos anseios de viver como a luz que se desponta diante dos nossos olhos. Sua presença inefável, divina e transcendental, penetra em nossos corações, desnudando os nossos mais íntimos pensamentos (Hb 4,12). Toda esta teologia presente na Palavra é confirmada naquilo que Paulo conclui em uma de suas cartas, quando diz que é a palavra do Evangelho que nos salva (Rm 1,18; 1Coríntios 1,21). Ou seja, é a “Palavra da sua Graça” que nos edifica e garante nossa herança como povo de Deus escolhido, ´para dar continuidade aos mistérios da vida que segue adiante, pelos frutos que produzimos. (At 20,23).

É esta dinâmica teológica da semente que Jesus está, no texto de hoje de Lucas, ensinando em forma de parábola, a uma grande multidão e também a seus discípulos e a nós. A parábola do semeador é uma história ensinada por Jesus para mostrar as diferentes formas em que a Boa Nova é recebida na vida das pessoas. Esta passagem é tão importante que aparece registrada nos Evangelhos de Mateus 13,1-23, Marcos 4,1-20 e Lucas 8,5-15. Este ensinamento de Jesus, no formato de parábola, nos ajuda a entender que as sementes foram lançadas em diferentes tipos de terrenos. Isto significa que a Palavra de Deus tem sido anunciada a diferentes pessoas em todo mundo. Todos nós que ouvimos/sentimos esta Palavra de Jesus, assumimos posturas diferenciadas em relação à boa semente. Por este motivo, devemos sempre nos perguntar sobre quem somos nós diante desta semente semeada em nossas vidas?

A semente é genuinamente original e de boa qualidade, porque ela vem do coração amoroso de um Deus que é misericórdia e compaixão, em seus sonhos de Pai/Mãe de amor. Semeada em nosso coração, requer que também sejamos semeadores. A semente em si, sendo de boa qualidade, está sempre pronta a germinar. Todavia indiscutivelmente, também depende da habilidade e do trabalho do semeador e, consequentemente da capacidade e da natureza do solo, em que esta é semeada. Como Verbo encarnado de Deus no meio de nós, Jesus trouxe as sementes do Reino, e elas se espalharam pelo mundo. Contudo, assim como Ele encontrou resistência no meio do seu próprio povo, do mesmo modo pessoas e estruturas nos dias de hoje, continuam impedindo a justiça do Reino de se estabelecer como frutos da semente. Sem dúvida, haverá uma colheita, mas à custa de muitas perdas, isto é, muitos procurarão sufocar as sementes do Reino, antes que chegue a vitória final, da semente germinada em forma de frutos de justiça, igualdade a paz para todos.