50 anos se passaram

Já estamos no penúltimo domingo do mês de outubro. Dia Mundial das Missões. O tempo segue transcorrendo veloz. Dentro em breve, já estaremos no Advento, tempo de preparação para a espera e chegada daquele que há de vir. Como mensagem para o Dia Mundial das Missões, assim escreveu o Papa Francisco: “Quando experimentamos a força do amor de Deus, quando reconhecemos a sua presença de Pai na nossa vida pessoal e comunitária, não podemos deixar de anunciar e partilhar o que vimos e ouvimos”. Mais do que ver com os próprios olhos, somos desafiados sentir e auscultar aquilo que nos é proposto como caminhada de fé, encarnada na realidade humana.

O dia de ontem foi um dia mais do que especial para nós da Prelazia de São Félix do Araguaia. Do dia 23 de outubro de 1971, era ordenado bispo o padre Pedro. 50 anos se passaram. Naquela tarde/noite, o Araguaia, emoldurado por um céu estrelado, testemunhavam aquele acontecimento histórico para esta Igreja e toda a Igreja latino-americana. Mesmo a contragosto seu, Pedro fora convencido pelos demais companheiros que o acompanhavam naquela missão, a aceitar se tornar o primeiro bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia, erigida em 13 de maio de 1969, pelo então saudoso Papa Paulo VI (Giovanni Battista Enrico Antonio Maria Montini).

Aceitou, mas, de antemão, colocou também as suas condições. Pedro sendo Pedro! Não faria uso das indumentárias de bispo. Optou pelo chapéu de palha, típico dos nordestinos da região, sua “mitra”; o remo indígena como “báculo” e o característico anel de tucum, símbolo de seu “compromisso episcopal” com as causas dos pequenos, pobres, marginalizados, mulheres, peões, indígenas. Anel inclusive, que o acompanharia ao longo de toda a sua vida. Um bispo que escolhera o caminho inverso e mais difícil, de ser pobre, com os pobres, para os pobres e contra a pobreza. Testemunhou em vida a sobriedade evangélica que acreditou.

Dona Santana, uma das “enfrentantes” da prelazia, participante daquele evento, certa feita me confidenciou: “Até São Pedro, fez questão de participar da celebração, pois momentos antes de tudo começar, o tempo estava anunciando uma tempestade, mas São Pedro, sabendo que a cerimônia seria a céu aberto, tratou de levar a chuva para outras bandas”. Mesmo sendo o bispo da prelazia, Pedro continuou sendo o padre Pedro para muitos dos que o conheciam. Pensa que ele ficava chateado com esta atitude do povo simples? Para ele estava de bom tamanho, e seguia atendendo a todos, com a atenção e o carinho de sempre aos que assim se referiam a ele.

No mesmo ano, tratou de escrever a sua primeira Carta Pastoral. Não foi uma simples carta, mas a carta: “Uma Igreja da Amazônia em Conflito com o Latifúndio e a Marginalização Social”. Uma escrita revolucionária, típica do jeito Pedro de ser no seguimento de Jesus de Nazaré. Através dela, mostra a sua cara e disse com todas as letras à que veio, para a ira e desespero dos grandes latifundiários desta região e também para um dos setores da Igreja Católica que viram neste “pergaminho” o “vermelho comunista”. Tome perseguição!

Uma carta profética, dando nome aos “bois”, com Pedro dizendo a todos e todas o porquê, tinha aceitado a ser ordenado bispo desta Igreja, para desagrado dos militares no poder e os pecuaristas que espalhavam o terror sobre esta região esquecida do Brasil. Com esta Carta Pastoral, Pedro dá visibilidade ao “Vale dos Esquecidos”, como era chamado este recanto do Brasil, não somente a nível nacional, mas também mundial. Aqueles não eram ainda o tempo das facilidades das redes sociais, para a divulgação das informações, mas Pedro se encarregou de fazer com que, esta carta ganhasse o mundo, ao ponto dos militares se organizarem para expulsar do país aquele “bispo vermelho”. Até teriam alcançado tal intento, não fosse a intervenção precisa do amigo Dom Paulo Evaristo Arns, fazendo chegar ao Papa Paulo VI tal desejo malévolo.

Cinquenta anos se passaram. A prelazia este ano comemora suas bodas de ouro. A realidade hoje não é mais a mesma da década de 70. Os desafios são outros mais. Muitas coisas mudaram, mas a geopolítica ainda continua nos mesmos moldes da exploração dos marginalizados como de outrora. No lugar do latifúndio agropecuarista improdutivo de antes, convivemos com a monocultura do agro e sua multiforme faceta, bem mais destruidor do meio ambiente, à custa de angariar lucros fartos e isenções fiscais volumosas, atendendo ao mercado consumidor externo. Situação esta que descrevemos na nossa Carta Pastoral, escrita a várias mãos, em comemoração do cinquentenário da Prelazia de São Félix do Araguaia e de sua Primeira Carta Pastoral. Pedro soube ouvir os clamores dos pobres, edificando uma Igreja, cuja mística martirial, seguiu nas mesmas pegadas de Jesus, sendo ela mesma, lugar de fala e vez dos oprimidos. Se o Papa Francisco propõe “Uma Igreja em Saída”, nosso bispo já vivia esta experiência como Igreja Povo de Deus, encarnada nesta realidade do Mato Grosso. “O problema é ter medo do medo”, assim ele sempre nos dizia. Como ele não tinha, deixou-nos este legado para darmos continuidade no hoje de nossa história.

https://www.cptnacional.org.br/attachments/article/5830/Carta%20Pastoral%2050%20anos%20versa%CC%83o%204_compressed.pdf

Francisco (Chico) Machado. Escritor e missionário

fonte foto ilustração: https://www.bing.com/image

“Os textos dos colunistas não refletem necessariamente as opiniões da UNESER “