Quarta feira da 31ª Semana do Tempo Comum. Nestes dias, em que a vida humana está sendo banalizada, pelos projetos políticos de (in) “segurança”, acordei bem cedo, com o alarido das araras azuis em meu quintal, aproveitando-se da minha “produção” artesanal. Enquanto elas deliciavam as mangas, os quatis devoravam as jacas, e os tucanos, com seus bicos avantajados, degustavam os açaís. Em meio a esta algazarra Teofânica organizada, me pus a orar, agradecendo a Deus pelo dom da vida e da natureza que nos mantem de pé. A vida é o bem precioso que Deus nos concedeu. Se a cada manhã, nos lembrássemos desta dádiva, certamente não estaríamos comemorando a morte de quem quer que seja. Sabiamente o Papa Francisco já nos alertava: “Quando você comemora a morte de alguém, o primeiro que morreu foi você mesmo”.

No dia do nascimento de nosso grande escritor Ruy Barbosa (1849-1923), comemoramos também na data de hoje o Dia Nacional da Língua Portuguesa. Este dia tem como como objetivo, homenagear a língua portuguesa e evidenciar a sua importância para a cultura e identidade brasileiras. Evidentemente também, o intuito é garantir a preservação desse idioma. Como ressalta o professor Silvio Pereira, da Universidade Metodista de São Paulo, “o objetivo foi ressaltar a Língua Portuguesa falada no Brasil como expressão cultural, tendo em vista que se trata de uma variedade da língua entre outras, sendo esta um traço da identidade sociocultural dos brasileiros, pois é falada em todo o território nacional”, embora com as suas diversidades regionais.

Foram os portugueses que trouxeram a língua portuguesa para o Brasil, sobretudo pelos “deserdados”, que eram os prisioneiros, trazidos nas embarcações coloniais portuguesas. A origem da língua portuguesa remete-nos aos ibéricos, já que ela originou-se dos idiomas pré-românicos falados na Península Ibérica, que foram influenciados pelo domínio romano a partir do século III a.C. Ela se desenvolveu a partir do latim vulgar, levado pelos romanos à Península Ibérica, influenciada por línguas locais, árabes e germânicas. Ao chegar ao Brasil, esta língua passou a exercer forte influência sobres as línguas milenares locais indígenas, principalmente o Tupi, as línguas de matrizes africanas e, posteriormente, as outras línguas dos imigrantes que aqui chegaram.

Mas a linguagem que somos desafiados a falar no dia de hoje, é a linguagem de Jesus, que desta vez não está mais na casa de um fariseu, como os textos de Lucas, tem relatado para nós nestes dias anteriores. Desta vez, Ele está falando para uma grande multidão, transmitindo-lhes uma mensagem mais íntima e radical que, certamente, assustou a muitos de seus ouvintes: “Se alguém vem a mim, mas não se desapega de seu pai e sua mãe, sua mulher e seus filhos, seus irmãos e suas irmãs e até da sua própria vida, não pode ser meu discípulo”. (Lc 14,26) Talvez, uma das falas mais radicais de Jesus, demonstrando a seus discípulos que o projeto do Reino, exige radicalidade por parte do discipulado. Sim, uma vez que a decisão por uma adesão a Ele, requer aprofundamento mantendo a fidelidade corajosa, como testemunha fiel.

O caminho traçado por Jesus para o seu discipulado, leva, necessariamente, ao calvário. Assim como Ele caminhou decididamente para Jerusalém, sabendo que ali passaria pelo calvário, imposto pelas forças da morte do Império Romano, todo discípulo, toda discípula, se quiser fazer o mesmo caminho do itinerário de Jesus, passarão essencialmente pelo caminho da cruz, como Ele mesmo já dissera em outras ocasiões: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome cada dia a sua cruz, e me siga. Pois, quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas, quem perde a sua vida por causa de mim, esse a salvará”. (Lc 9,23-24) Ou seja, quem quer seguir a Jesus tem que estar disposto a se tornar marginalizado e rejeitado por uma sociedade injusta (perder a vida) e mais, a sofrer o mesmo destino de Jesus: morrer como subversivo (tomar a cruz).

Religião alguma salva ninguém! Devocionismos de cultos de adoração, sem a conexão com a cruz do calvário, também. Não existe cristianismo sem cruz, mas a cruz da coerência e do compromisso de transformar a realidade injusta em que vivem os pobres e marginalizados. Seguir a Jesus é dar continuidade ao seu projeto (= ser discípulo), é viver uma realidade nova na relação que devemos estabelecer com as pessoas, com as coisas do dia a dia e, sobretudo, conosco mesmo. O testemunho e a fidelidade ao projeto do Reino, deve nos levar a assumir com liberdade e coragem a condição humana, sem superficialismo, conveniência ou romantismo. O discípulo de Jesus deve ser realista, a fim de evitar ilusões, indiferenças, comodismos e a covardia de uma fé vergonhosa e desconectada com a realidade de sofrimento dos pequenos. “Quando o sangue é aplaudido, o Evangelho se cala” (Dom Luiz Fernando Lisboa, arcebispo de Cachoeiro de Itapemirim, ES.